“Saco” vermelho


Saco” vermelho
A casa era uma daquelas que existe em muitas fazendas do Nordeste; também as chamam de bangalôs. Era uma casa alpendrada, para amenizar o calor, sentar-se à noite, receber visitas e esperar pelo frescor do vento Aracati; o alpendre era sustentado por colunas de tijolos, rebocados e vigas de madeira sobre as colunas, formando um quadrado, com laterais, frente e fundo; coberto de telhas tipo colonial de barro queimado. A parte do alpendre nessas casas geralmente tem um telhado com nível inferior ao telhado normal; essa casa não tinha, descia reto, era uma continuação do telhado principal. Nas colunas onde foram presos os ganchos, armavam-se as redes para tirar-se um cochilo, principalmente a tarde, após o almoço ou final do dia, para repor as energias, depois da lida no campo. A casa era protegida por uma cerca simples, que não impedia animais de pequeno porte ultrapassá-la; apesar de que havia alguns bodes enxeridos, sem canga, que desafiavam a segurança e pulavam a cerca.

Nesse imóvel, no sertão paraibano, nos arredores de São João do Rio do Peixe, do Umari e de Marizópolis, morava a família Cartaxo. Era uma família numerosa, que no período de férias usava essa casa que me refiro e no período escolar, habitava outra na cidade de Cajazeiras.
Um dos filhos da famíla é Valter Cartaxo, um amigo meu da adolescência.
Nas férias da escola eu costumava passar uma semana por lá e o meu amigo Valter voltava comigo para passar uns dias na minha casa em Marizópolis.
A mãe de Valter chamava-se Alice, mas eu a tratava, como a maioria das pessoas, por d. Licinha. Era muito bonita, de gestos elegantes e educados. Eu nutria uma grande admiração por ela; uma admiração maternal e até mesmo um sentimento que as crianças ou adolescentes têm pelas professoras. O marido de D. Licinha era o seu Gumercindo, homem alto, de costas largas, dominador, tinha o jeitão de ator de faroeste; eu tinha respeito, mas também um certo medo dele. Como nós não trabalhávamos, só estudávamos, fazia-nos perceber ser ele uma pessoa que nos achava meio vagabundos. Às vezes nos levava para trabalhar na roça. Mesmo eu não sendo da casa, tinha obrigação moral de ir cuidar da agricultura com eles. Às vezes chegava um dos irmãos de seu Gumercindo, Edmilson, dizia “eita que vida boa a de vocês, ponha esses “cabas” pra trabalhar, Gumercindo!”. Em tom de brincadeira, mas dando seu recado. Não obstante, era uma gente muito boa.
Havia uma menina, única filha do casal, irmã de Valter, a saudosa Fátima; que herdou a beleza da mãe. Estava na pré-adolescência, mas era desenvolvida para sua idade, consigo mais lembrar de sua voz do que de sua fisionomia. As pálpebras dela eram um pouco inchadas, adicionando-lhe um chame à parte, muito especial, segundo meu olhar de adolescente.

Havia uma casa ao lado que servia de celeiro e de depósito de produtos ensacados colhidos nas safras ou ração para os animais; celas e arreios pendurados em ganchos na parede, vestimenta de couro para vaqueiros; usávamos esse local algumas vezes para dormir a tarde em redes. E com frequência nos masturbávamos apostando quem gozava mais rápido, ou quem demorava mais, retardando o clímax máximo. Levávamos revistas do tipo “Sétimo Céu”, que eram populares na época, para escolhermos uma atriz para servir de modelo, para basear nossas fantasias sexuais. Não havia revista de mulher nua, o que nós conseguíamos no máximo era mirar uma atriz bonita, e o resto ficava por conta de nossa imaginação. Não pode-se dizer que não era um processo criativo!
Naquele tempo havia raras oportunidades para dá vasão aos nossos desejos e fantasias sexuais, a não ser com nossas próprias mãos, em um esforço de imaginar as formas de uma mulher nua, por termos visto algum desenho, alguma foto de mulher semi-despida; mas já era suficiente para fazermos uma viagem mental e nos aliviarmos. Não era nada demais, segundo os especialistas dizem hoje em dia, que é saudável, embora naquela época fosse restrito; era um pecado que tínhamos que confessar ao padre.
Mais tarde fui colega de dois ex-seminaristas, no Ginásio 10 de Julho em Sousa, os quais me diziam que não havia necessidade de nos masturbar aja vista que o próprio organismo se encarregaria de “descarregar”, através dos sonhos. Era uma posição pura, inocente e poética.

Muitas vezes utilizávamos a água de um poço (cacimba), um pouco afastado da casa, para tomarmos banho. Tomávamos banho a céu aberto, nus como nascêramos. Um dia no café da manhã, mesa cheia, o irmão caçula de Valter, que estava na casa dos oito anos, disse, em alto e bom som, que meu “saco” era vermelho. Ele decretou: “o saco do galego (chamavam-me galego) é vermelho!” Fiquei muito encabulado, quase não conseguia terminar o café. Todo mundo riu: os homens e as mulheres não paravam de rir! Eu não conseguia mais encarar ninguém, principalmente as mulheres da casa, depois do relato do garoto. Todas as vezes que eu as via pensava que elas estavam se lembrando da cor de meu saco!

Nós fumávamos escondidos, com frequência não tínhamos dinheiro para comprar cigarros. O seu Gumercindo fumava e comprava pacotes com dez maços, porque na região do sítio não havia ponto de venda próximo, então ele tinha que manter um estoque; caso contrário teria que selar um cavalo e ir comprar cigarros em alguma cidade próxima. Valter costumava abrir os pacotes com bastante cuidado e habilidade para não deixar vestígio; seu pai poderia castigá-lo. De cada maço ele tirava um cigarro, de tal forma que ele, quando encontrava um pacote cheio, tirava 10 cigarros. Era um trabalho demorado; tirava aquele plástico, lacrado por uma fitinha e depois recolocava tudo não sei como. Por isto ele esperava seu pai ir a algum lugar distante, que retornaria para casa tarde. Escondíamos os cigarros em um lugar seguro e compartilhávamos um cigarro com dois ou três de nós. Aparentemente o seu Gumercindo nunca percebera a falta dos cigarros. Quando chegava alguém que fumava nós pedíamos (filávamos como dizíamos), para nosso estoque durar mais tempo.
Também pedíamos cigarro ao irmão de d. Licinha, o Chico; ele também trabalhava na fazenda e dormia na casa; era solteiro.

Na casa havia um irmão de Valter, Francisco, mais novo que ele que também o chamávamos de Chico, e um senhor que trabalhava lá há longos anos, o qual fazia diversos serviços, era pau pra toda obra; nós o tratávamos carinhosamente por “Chico Veio.” Era uma casa de muitos chicos!
E ainda uma moça, em torno dos quarenta, que trabalhava na casa há muitos anos, que vira quase todos filhos do casal nascerem; não consigo lembrar do nome dela.




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