A Moça


A Moça

Locais de exames médicos geralmente são quase todos iguais; pode mudar o mobiliário, o espaço, mas o clima, o ambiente mórbido, salas cheias, pouco muda. As pessoas ocupam o tempo de espera, checando a senha com o número informado em uma tela, e mexendo no celular. Poucos leem alguma coisa, a não ser no próprio aparelho, navegando nas redes sociais. À minha frente estavam sentados um senhor, cuja idade calculei na casa dos oitenta; era um homem de estatura grande, com aparência de James Taylor, não estava sentado normalmente, parecia que se sentava na coluna vertebral em vez de sentar-se sobre a bunda, por causa dessa postura atrapalhava as pessoas que iam utilizar o elevador, porque tinham que se desviar de suas longas pernas; usava um óculos de armação tipo Rayban, com lentes corretivas fortes e transparentes; ao seu lado, uma moça que parecia ser sua neta, em vista do carinho e cuidado que ela lhe dedicava, estimei sua idade em torno de vinte. Muito bonita, aspecto de universitária inteligente, percebia-se esta qualidade pelo que conversava com o suposto avô, quando falava de política e de atualidades; também usava óculos, mas ao contrário do avô, as lentes de seus óculos eram de poucos graus, com efeito, realçavam seus olhos verdes claros. De vez em quando se aproximava dele para comentar alguns eventos que participara e as fotos que havia tirado, em adição informava a ele as pessoas que compareceram ao local e ele balançava a cabeça assentindo, com um sorriso contido. A moça ajustava de vez em quando o cachecol bordô ao pescoço, sob os cabelos loiros e cacheados; e, paciente, preenchia a ficha da clínica com os dados do avô. O avô perguntou: “você está com frio?” Ela respondeu:”sim, sinto muito frio no pescoço.” Depois de completar a ficha, a moça, muito prestativa, auxiliou a uma senhora que não conseguia responder aquelas perguntas que mais pareciam um interrogatório policial com tantas informações que, quase pode-se dizer, servem para aliviar a clínica de responsabilidades. O paciente responde, data e assina, a recepcionista revisa e pede mais informações em um processo burocrático demorado.
Havia uma paciente que não concordava com aplicação de contraste para realização de um tipo de exame, porém precisava estar escrito no pedido do médico, dizia a recepcionista; porque o default era com contraste.
Agora, a senhora que fora ajudada pela moça estava a beber vários copos com água, para fazer um ultrassom. Estava se queixando que com tanta água, após o exame, teria que parar em alguns lugares para fazer xixi, até chegar a sua casa.
Saí para tomar um café na lanchonete da clínica e quando voltei a senhora do xixi já não estava mais lá na sala de espera, devia estar com o médico fazendo o exame; mas a moça e avô ainda estavam lá.

Naquele dia eu estava como acompanhante, lendo um jornal e calculando o movimento. Uma senhora de uns sessenta e poucos anos, que estava agora em minha frente voltara da lanchonete e se queixava, com a recepcionista, que tudo era muito caro e que as máquinas de refrigerantes e de lanches não funcionavam direito e que eram difíceis de operar. Ela disse, e a recepcionista a ouviu pacientemente: “as empresas dispensam os empregados e colocam essas máquinas no lugar; que coisa insana, não é à toa que há tanto desemprego.”
As pessoas balançaram as cabeças assentindo.
Essa conversa puxou outras: um senhor alto, magro, cabelos grisalhos que brilhavam sob a luz das lâmpadas, que sempre que eu olhava para ele estava coçando a perna, disse com a voz rouca: “as máquinas não precisam de férias, não precisam de afastamento para ter filhos, tampouco precisam de benefícios; só de manutenções.”
Os presentes acharam interessante a intervenção deste último, e alguns até riram.

Um rapaz que aparentava ter menos de quarenta anos, pela sua postura parecia ser executivo da área financeira de alguma empresa, de terno e gravata, meio gordinho, os sapatos brilhavam de tão limpos, estava sempre digitando textos no celular, disse: “tem que ver também que os sindicatos anualmente aumentam a lista de reivindicações e tem uma hora que as empresas não agüentam mais pagar; só direitos, sem obrigações, é difícil.”

Outra pessoa que chegara e não participara de todas discussões anteriores, manifestou-se dizendo que “nos Estados Unidos não existe carteira de trabalho, nem décimo terceiro, nem FGTS, nem adicional de férias, e as férias não são de trinta dias como aqui no Brasil. No entanto, muitos brasileiros vão para lá em busca de emprego”. E acrescentou: “dá pra entender?”

A recepcionista, cujo cabelo era muito bonito, fora penteado para cima e amarrado, parecendo uma vassoura de palha de carnaubeira, olhou pensativa, mas nada disse.

Outra senhora que parecia estar com pressa, porque a todo instante consultava o relógio em seu pulso, estava à minha frente, era morena-clara de olhos redondos e pretos, como jabuticaba; os cabelos curtos e bem penteados, também dessa cor; havia uma mecha branca que caía-lhe insistentemente sobre a testa, e ela repetidamente a colocava de volta na posição anterior, com um gesto rápido da cabeça. Usava muito as mãos para fortalecer seus pontos de vista, tinha gestos delicados e um leve sotaque italiano; também um sinal preto e redondo no lado esquerdo do lábio superior que movia-se à medida que falava; era muito simpática e essa simpatia fazia muitas pessoas prestarem atenção no que ela dizia. Ela queixava-se da frenqüência que fazia certos exames; reclamou do médico pois ela achava que daqui a pouco seu corpo estaria cintilante como o céu estrelado! Magra, sentava-se aprumada, mesmo na cadeira sem o espaldar alto; devia ter uns cinquenta anos.

Tive que sair, ao mesmo tempo em que a moça e seu avô foram chamados para o exame.







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