A Tempestade


A Tempestade
Há muito tempo, em um certo lugar, naquela madrugada de verão, houve uma grande tempestade: chuva e vento fortes; trovões e relâmpagos; como é comum a todo temporal que se preze. Ângela, 35 anos, morena clara, corpo desenhado de curvas generosas, acordou, pulou da cama em um átimo e correu para sala e banheiro para cobrir os espelhos. Os espelhos não podiam ficar descobertos, para não refletir a luz dos relâmpagos e atrair raios, conforme ela acreditava, mas não sabia muito bem explicar. Edgar, era cinco anos mais velho que ela, porte físico musculoso, forma de quem faz trabalhos pesados, que há pouco roncava em um sono profundo; acordou de súbito e se levantou devido ao barulho que sua esposa fizera. A luz rápida dos relâmpagos era vista pelas frestas das portas, pelas pequenas brechas das telhas de barro cozido e das janelas, como se houvesse fogo ardendo lá fora. O temporal começou forte, durou quase uma hora, mas foi arrefecendo aos poucos, como a calmaria do último movimento, Allegretto, da Pastoral de Beethoven.
O casal se agitara e de certa forma tivera medo do que poderia acontecer a ele e aos filhos devido àquele mau tempo, e não conseguira voltar a dormir de imediato; contudo, o cheiro de suor mesclado com o perfume de sabonete, exalado do corpo de Ângela excitou Edgar, e ele a abraçou, devagar, como devagar escorregava o final da tempestade e da Pastoral; em um movimento calculado, ela o puxou para cima de si, e se fez dominada, e fizeram o que os seres viventes fazem bem em fazer. Os corpos nus em movimento, molhados de suor, brilhavam de vez em quando devido a luz tremulante dos relâmpagos. Os rangidos simétricos da cama e do colchão enchido de palha, faziam-se ouvir por toda casa, a princípio rápidos, depois reduzindo aos poucos, até cessar por completo, como o som dos trovões distantes. Quatro da manhã, os dois agora relaxados, em silêncio, se olhavam como se tivessem feito algo errado; entretanto, em pouco tempo dormiram um sono bom como o sono dos deuses (se é que os deuses dormem); o sono dos justos, (e por serem justos, por fim pouco dormem), até ás seis da manhã.
Ângela também tinha o hábito, como todos católicos do lugar, de cobrir as imagens e os retratos de santos, na Quaresma; quando não os cobria, virava-os contra a parede. Quando perguntada sobre esse costume, ela respondia que vinha de sua mãe, e que ela dissera que era devido ao luto pelo sofrimento e morte de Jesus Cristo.
Na quaresma não houve amor carnal dos dois.


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