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Mostrando postagens de 2020

Simplicidade

Talvez estejamos, pelo menos neste ano, a propósito da Pandemia, com o sentimento que nos remete as origens, a simplicidade de um presépio. É, penso. E não faz muito tempo que o Natal em nossa família era muito simples como simples é um presépio; limitava-nos a comer um assado, uma ave, criada em nosso quintal, vestir a melhor roupa que podíamos ter e irmos à igreja ouvirmos a missa em Latim. E o cristianismo, fundamentalmente, pede simplicidade.  (Trabalhei em uma empresa que fazia  propaganda de seus produtos falando em "simplicity". Uma simplicidade de não querer-se reinventar a roda. Tudo que era feito passava por crivos de funcionamento e de praticidade. Uma instrução, uma diretriz, tinha que ser entendida por todos, desde o empregado mais simples na escala hierárquica até o mais graduado). A igreja católica não ministra mais a missa em Latim. Eu, particularmente, acho que foi uma perda, porque, embora poucos entendessem, era bonita, remetia-nos as origens do cristianism

Fumacinha

Hoje, 6 de dezembro de 2020, acordei cedo, movido por um pensamento de ontem, como se fosse uma fumacinha que se ver no início ou após os incêndios, mas que não damos a atenção devida e acontece o pior; de assunto que não foi totalmente resolvido e parece-me nunca será. Nunca será porque a maior parte de nosso povo não dá atenção à política porque foi doutrinada a não gostar dessa ciência; povo mantido sem educação propositalmente, exatamente para ficar alheio, apático, aos acontecimentos políticos deste País. Com efeito, dar a impressão que fazem política suja para desestimular o povo. A fumacinha é a tentativa de reeleição dos presidentes da Câmara e do Senado. Que eles próprios deveriam tratar com respeito e honestidade, que deveriam ler o texto que está claro, não dar outra interpretação, a não ser a que está escancarada na Carta Magna; e sem ter que demandar o Supremo à procura de camuflagem. A meu ver, quando chega uma demanda no STF, se for inconstitucional, não deveria ser co

"Snapshot"

"Snapshot"   Descendo a São João, Domingo de sol de outono, em direção ao Anhangabaú, a fome do almoço chegando e o cheiro de churrasco grego dando água na boca. O casal hippy, alheio a quase tudo, em direção contrária: no estilo de vida e na avenida. Herb Alpert and The Tijuana Brass, tocando "The Lonely Bull" na loja de discos da galeria. Era dia de jogo no Pacaembu, o coração palpitava, o Timão ia jogar. Um jornal exposto na banca, daqueles que "quando espremia saia sangue" mostrava os crimes da "boca do lixo." Parecia que tudo estava pra acontecer em minha avaliação de jovem. Gelava a alma o panorama traçado pelos futuristas Herman Kahn, Alvin Toffler, "displayed" nas livrarias.  

Família Lins de Albuquerque

O texto a seguir é uma tentativa de relatar a história dos Lins de Albuquerque, do alto sertão da Paraíba, a partir de minha bisavó Aprigina Lins de Albuquerque, seus irmãos e filhos. Digo tentativa porque é uma família numerosa, espalhada pelo Brasil e até pelo exterior. Não é uma árvore genealógica, tampouco biográfica, mas de vez em quando, quando oportuno, pincelar sobre suas vidas. A região que abrange esse povoamento, é principalmente: Nazarezinho, Coremas, Sousa, Cajazeiras, Marizópolis, São João do Rio do Peixe, etc. Meu primeiro impulso foi perguntar a minha prima legítima, Iraci Albuquerque, que é professora aposentada em Nazarèzinho, se ela tinha alguma lembrança de nossa bisavó. Ela me respondeu: "ela me obrigou a comer angu com leite." Pensei: hoje eu adoraria comer angu com leite com carne de sol assada. De minha parte, quando nasci, fui pesado na balança de pesar algodão de meu avô materno Antonio Rodrigues dos Santos, que ficava presa em um galho da grande ara

O Pastor

A mãe acordou às 5:00h, quero dizer, ela achava, pela experiência que era este horário, pois não havia nenhum relógio na casa para confirmar. Tinham ideia do horário pela claridade que despontava, pela manhã que descortinava. Chamou a filha, que algum tempo depois apareceu na cozinha, ainda de camisola, esfregando os olhos, sonolenta. Quando esta chegou já havia duas galinhas d'Angola, pintadinhas de cinza e branco,  batendo as asas no chão da cozinha de terra batida, após serem estranguladas. A mãe pegava nos pés e na cabeça da ave e puxava com força para quebrar o pescoço. Era uma violência que já acostumara, que tratava como normal; aliás, nem pensava nisto, era um ato impensado, um costume de seus antepassados. Para fazer galinha à cabidela ou a molho pardo era uma judiação maior, posto que tinha que degolar a ave e esperar o sangue escorrer em uma vasilha.  No fogão à lenha um alguidar de barro grande com água fervendo, para mergulhar as galinhas e, ato contínuo, serem depenad

Chagas Braga, o Santista

Chagas Braga, o Santista Meu primo em primeiro grau filho de tia Raimunda, irmã de meu pai. Ele tinha 50% Braga e 50% Simão de Sá; em suma era o que compunha sua genealogia mais próxima. Quero falar só das boas coisas, das boas horas, das coisas que vivenciamos. Os primos são os nossos primeiros amigos, e os primos mais velhos, nossos heróis; nossa diferença de idade era de 7 anos; ele mais velho; ele um rapaz, eu um adolescente. Chagas Braga, creio eu que foi o primeiro santista de Marizópolis, quando quase não havia torcida de times. Era um santista aqui, um flamenguista acolá; talvez algum vascaíno ou seria no futuro o seu irmão Toinho? O Santos tinha o Pelé, o nosso rei; sou corintiano mas aceito-o como rei. Mas quem espalhou a paixão pelo Santos, que eu sei, foi Chagas Braga. Era comum ele nos convidar para ouvir os jogos do Santos, pelo rádio. Aí apareciam Zé Malandro, Camilinho, Zé de Dodó, Antonio Gomes, Manoelzinho Araújo, e muitos dos componente

Passagem

Passagem H. estacionou o carro embaixo de uma árvore frondosa, logo depois da entrada da garagem da casa de seu amigo  o qual fora visitar. A rua estava tão tranqüila que lhe chamara àtenção, apesar de ser um sábado às 17:00; apenas um vento do outono soprava e movia os galhos mais finos das árvores e como conseqüencia as folhas que caiam rolavam pelo asfalto; e era na verdade o único som que se ouvia. Deixou a porta do carro entreaberta, pôs a perna esquerda para fora enquanto pegava o celular e uns papeis que estavam sobre o banco do carona. Dirigiu-se à porta principal da casa onde fora atendido muitas vezes há alguns anos. Pressionou o botão da campainha, não havia sinal algum de vida na casa. Tentou a segunda vez; desta feita tocou, pouco esperou e saiu. Decidiu bater no portão da garagem dado que às vezes E. jogava tênis de mesa naquele local com amigos. Seu amigo, abriu o portão que era automático, provavelmente acionando um controle remoto. O portão foi se abrindo devagarinh

Yo-Yo-Ma

  Yo-Yo-Ma Plateia lotada, palco grande e vazio. Na hora exata entra o músico segurando seu chello e o arco. É um grande teatro em algum lugar do planeta, porque Yo-Yo-Ma, é americano, nascido na França, de orígem chinesa. Mas ele não é mais de nenhum desses países, é do mundo, como também é do mundo o Pelé. Os ligados em música erudita, requisitamos um pedaço do Yo-Yo-Ma; como também temos do Pelé. Só nossa parte(a maior) da Amazônia é exclusivamente nossa. De terno azul claro impecável e gravata preta com bolinhas brancas, sapatos pretos. Cumprimenta o público com leve sorriso, senta-se, coloca o chello entre as pernas, fecha os olhos (não obstante use lentes corretivas, transparentes). O público não dá um só pio, silêncio total. Como se o público quisesse aproveitar o máximo da apresentação. Ele segura o arco e o coloca levemente sobre as cordas do instrumento, a mão esquerda está lá em cima pressionando as cordas e com um movimento no arco começa a Suite nº 1, in G Major, Pre

A Título de Registro

  A Título de  Registro Agora o ônibus deslizava pela planície sousense, à esquerda já se viam os primeiros coqueiros e os bangalôs de São Gonçalo, e lá em cima da “Pedra Talhada”, imponente: Marizópolis, a Mesopotâmia do Sertão. O rádio do ônibus tocava “Menina Veneno” de Ritchie. Quem ia descer em Marizópolis já se esgueirava para pegar seus pertences, tentando equilíbrio no corredor do ônibus. Para descer em Marizópolis, carecia de avisar ao motorista, porque a passagem vendida em João Pessoa tinha destino final a cidade de Cajazeiras. A viagem de João Pessoa-Marizópolis, durava quase nove horas, devido ao excesso de paradas que o ônibus fazia; umas necessárias, outras para atender acordos tácitos com donos de restaurantes, que nem sempre eram interessantes para os passageiros. Com mais ou menos a mesma distância São Paulo-Rio, na época, fazia-se a viagem em seis horas, em ônibus mais confortáveis. Naquela altura Marizópolis já fora desmembrada da administração de Sousa havi

1965

1965 O ano de 1965 foi muito importante na minha vida: pessoal e profissional, mas eu ainda não tinha uma profissão. Trabalhara em lojas, em venda de vários tipos de produtos, desde sapatos, móveis de aço para escritório, discos, até produtos de limpeza vendi. Tinha 18 anos e fui morar em um apartamento em um local privilegiado em Recife, no bairro Boa Vista, na Rua Fernandes Vieira. Por mim mesmo não teria condições de pagar parte do aluguel daquele apartamento, ainda que dividido com mais cinco colegas, às vezes conseguia ajudar nas contas, às vezes não. Era um apartamento de três bons quartos, sala ampla, cozinha, área de serviços e dois banheiros, sendo um destes da empregada. Esses colegas já moravam lá há muitos anos, filhos de gente bem situada financeiramente. Eram comerciantes, donos de fazendas, filhos de políticos do interior da Paraíba e também do interior de Pernambuco, que mandavam seus filhos estudar em Recife. Nesse grupo havia três universitários, já concluindo os cu

Gertrudes

Gertrudes As filhas de Gertrudes são três, duas já são casadas; a caçula de 18 anos ainda está em casa; o nome desta é Ana Maria. Caso o nome revelasse a personalidade de alguém Ana Maria mostraria ser de um de temperamento previsível, quieta, talvez tímida, apesar de que dificilmente uma mulher seja acanhada. Mas essa Ana Maria é o contrário, é imprevisível, exagerando um pouco, pode-se até dizer que ela é bipolar. Não sabe-se qual é sua reação quando fala-se com ela sobre algum assunto. Gertrudes soube que uma amiga sua falecera, tinha que ir ao velório, mas não queria ir sozinha. Ato continuo perguntou: "Ana, vamos ao velório da Alcinda?" Ana respondeu: "Mãe, você sabe que eu não gosto de ir a velório de quem quer que seja, mesmo sendo de alguém da família." "Mas não pode ser assim, Aninha". Era assim, este tratamento que Gertrudes dispensava à filha quando queria agradá-la ou convencê-la de alguma coisa. Com o pai ela não teimava ou discordav

Bom Retiro

As ruas comerciais do Bom Retiro, estavam vazias, as lojas fechadas; só algum ônibus passava pela Rua Silva Pinto; também raramente passava um carro particular. Era um sábado a tarde final de abril do ano de 1968, outono, os ventos próprios dessa estação já sopravam frios, arrastando papeis jogados nas ruas. Guilherme olhava da janela de seu apartamento esse ambiente monótono, o silêncio que só era cortado pelo som de um rádio do apartamento vizinho que tocava Bob Dylan "Like a Rolling Stone". Porém tudo isso o levava a refletir, sobre esse ano incomum, devido a protestos e conflitos ao redor do mundo. Pegou a revista Realidade que comprara em uma banca de jornal  em frente a padaria e jogara sobre a escrivaninha. Na padaria era onde ele tomava o café da manhã dos fins de semana: um pingado, um pão com manteiga e às vezes um ovo frito dentro do pão francês. Uma reportagem da revista lhe chamara a atenção, era sobre o casamento de um ex padre no interior da Paraíba e também de

O furto de tecidos

O caso a seguir é quase todo verdadeiro. Pelas verdades eu respondo; pelas inverdades, não assumo nenhuma responsabilidade.  Zulmira era uma galega* muito bonita de mais ou menos trinta e cinco anos. Loira, alta, olhos verdes claros, vestia-se bem, saias bordadas e barradas com bicos largos, blusas de cambraia de linho ou de puro algodão. Tecidos retirados da loja do marido e entregues para serem aviados pelas melhores costureiras do lugar. Era esposa de Juvenal, comerciante estabelecido no centro da cidade. Juvenal casara com Zulmira quando ele já contava mais de quarenta anos, já bem de vida, de tal sorte que para a noiva fora um bom partido, sendo ela filha de sitiantes do entorno da cidade. Juvenal iniciava uma calvície que o perturbava, mesmo tentando disfarçá-la com todo tipo de penteado. Era de média estatura, um pouco de barriga, queixo quadrado, falava bem e era prolixo. Juvenal tinha um objeto material de prazer que era um Aero Williys de cor preta e que sempre estava brilhan

Decapito

Decapito O sujeito decapitou o outro, Apareceu na praça com a cabeça do morto, A qual tinha um olho aberto, vidrado, olhando pro infinito; E o outro, fechado, de pálpebras penteadas. O jornalista apressado, protetor, reportou: “um suspeito carregando a cabeça de um morto, embaixo do braço e o sangue escorre pelas pernas”; A faca levantada, como uma espada, o sangue coagulava. Um suspeito! Um crime pronto e feito, Mas foi um suspeito! O sujeito disse: “quero ir pra cadeia, Lá tenho café, almoço e ceia.”  Mas como prender um suspeito, com todas evidências e todos seus direitos? O sujeito implora pra ser preso, Mas não pode, ele é suspeito. Em frente ao delegado ele fica mudo, Entrega a cabeça, porque esta já diz tudo; Como Salomé o fez com a de João Batista. De bandeja.

Quarentena

Por Causa do Coronavírus Começo este texto com uma frase de Thomas Paine: “Estimamos pouco aquilo que obtemos com demasiada facilidade”. Pois bem, estamos enfrentado dias em que sentimos a liberdade ser tolhida por um vírus letal. A liberdade é um bem que estimamos e parece que sentimos mais a falta dela quando não a temos, ou quando a temos parte. As viagens, os teatros, os cinemas, os museus, etc, podem estar disponíveis, coisas que às vezes não podemos pagar, gozar, visitar, mas por sabermos que estão lá à disposição, já é um alento. Quando moramos em Manaus por quatro anos, a cidade não tinha o que a Cidade de São Paulo oferecia de entretenimento, e muitos colegas da empresa que também foram transferidos para a Capital do Estado da Amazonas, se queixavam, as esposas reclamavam, nossos filhos demoraram a se adaptar. Um dia sentamos, conversamos para acabar com a choradeira. Dissemos que havia muita coisa em São Paulo, mas nós raramente freqüentávamos ou nunca utilizávamos