Krista e a Outra


Krista e a Outra
Inverno de 1970, um domingo, em torno das onze horas havia sol mas não impedia o frio, e o vento que batia em nossos rostos, aumentava ainda mais a sensação térmica de mais frio. Um amigo e eu seguíamos conversando pela Avenida São João em São Paulo, quando na altura da Praça Júlio Mesquita encontramos duas garotas, que eram amigas desse meu amigo. Ele as apresentou a mim; eram muito bonitas, educadas, bem vestidas de roupas de inverno, botas canos-longos e mini-saias cobrindo parte das pernas roliças e longas, com meias-calças. Ele chamava uma delas de Krista, a outra, não lembro o nome. Não esqueci mais o nome de Krista, creio que por ser diferente; a outra, deveria ter um nome fácil de se esquecer. Paramos na referida praça, que naquela época não havia nenhum receio de sermos assaltados. Local que poucos meses antes eu cruzara com Caubi Peixoto, numa manhã de sábado bem cedo, saindo de um bar. Eu olhei pra ele e ele percebera que estava sendo reconhecido e, vaidoso, retribuiu minha admiração com um sorriso no canto da boca.
Continuamos a conversar com as moças, algumas vezes entrando em um lugar para tomarmos café e fumarmos. A outra moça elogiara o grande bigode que eu usava, e nos despedimos. O meu amigo disse, após elas saírem: “elas são prostitutas.” Eu fiz que não havia entendido, e ele repetiu. Ele acrescentou: “elas são universitárias” e disse qual a universidade que elas estudavam. Para nós não havia nada demais quanto ao fato de elas serem prostitutas. Elas frequentavam a “La Licorne”, que era uma boate muito famosa naqueles tempos e que nós não tínhamos cacife para frequentar, na Vila Buarque.
Mas aí esse meu amigo me dissera que estava tentando ao máximo convencê-las a desistir daquela atividade, que era a mais antiga do mundo, que resolvia muitos problemas de solteiros e casados, mas que envolvia riscos, etc. “Que elas tinham condições intelectuais de arrumar bons empregos e se casarem.” Era um discurso de padre. Eu disse para ele: “elas ganham muito bem, é difícil pra elas baixar o padrão de vida que elas têm.” Ele concordou comigo mas que continuaria insistindo. Enfatizou não ter tido nenhum relacionamento com elas, além de amizade.
Fiquei pensando na atitude desse meu amigo, em relação às moças, como se ele fora um leopardo, que após pegar um cervo não o comeu, o manteve por perto, ficou a observá-lo.
Fomos almoçar no “Gato que Rir” no Largo do Arouche. Ele comeu lasanha verde com guaraná; eu, um espaguete à bolonhesa sem bebida.
Depois de algum tempo fui fazer uma visita a esse meu amigo na Rua Piauí, em Higienópolis, onde ele morava em um pensionato. Lá estava Krista sem, a outra, sua amiga. Bonita e educada daquele mesmo jeito de quando eu a havia conhecido, e conversamos uma longa conversa agradável. Ela estava contando estórias, segurando um garfo que espetava uma fatia de doce, daquele doce acondicionado em lata de forma redonda, que com queijo branco faz-se Romeu e Julieta. Esse meu amigo era viciado nesse tipo de doce, o que poderia explicar ele ter tido mais tarde problemas com diabetes.
Krista agora era também minha amiga e eu a mantinha como o cervo, o cervo do leopardo.



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