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Mostrando postagens de agosto, 2020

Yo-Yo-Ma

  Yo-Yo-Ma Plateia lotada, palco grande e vazio. Na hora exata entra o músico segurando seu chello e o arco. É um grande teatro em algum lugar do planeta, porque Yo-Yo-Ma, é americano, nascido na França, de orígem chinesa. Mas ele não é mais de nenhum desses países, é do mundo, como também é do mundo o Pelé. Os ligados em música erudita, requisitamos um pedaço do Yo-Yo-Ma; como também temos do Pelé. Só nossa parte(a maior) da Amazônia é exclusivamente nossa. De terno azul claro impecável e gravata preta com bolinhas brancas, sapatos pretos. Cumprimenta o público com leve sorriso, senta-se, coloca o chello entre as pernas, fecha os olhos (não obstante use lentes corretivas, transparentes). O público não dá um só pio, silêncio total. Como se o público quisesse aproveitar o máximo da apresentação. Ele segura o arco e o coloca levemente sobre as cordas do instrumento, a mão esquerda está lá em cima pressionando as cordas e com um movimento no arco começa a Suite nº 1, in G Major, Pre

A Título de Registro

  A Título de  Registro Agora o ônibus deslizava pela planície sousense, à esquerda já se viam os primeiros coqueiros e os bangalôs de São Gonçalo, e lá em cima da “Pedra Talhada”, imponente: Marizópolis, a Mesopotâmia do Sertão. O rádio do ônibus tocava “Menina Veneno” de Ritchie. Quem ia descer em Marizópolis já se esgueirava para pegar seus pertences, tentando equilíbrio no corredor do ônibus. Para descer em Marizópolis, carecia de avisar ao motorista, porque a passagem vendida em João Pessoa tinha destino final a cidade de Cajazeiras. A viagem de João Pessoa-Marizópolis, durava quase nove horas, devido ao excesso de paradas que o ônibus fazia; umas necessárias, outras para atender acordos tácitos com donos de restaurantes, que nem sempre eram interessantes para os passageiros. Com mais ou menos a mesma distância São Paulo-Rio, na época, fazia-se a viagem em seis horas, em ônibus mais confortáveis. Naquela altura Marizópolis já fora desmembrada da administração de Sousa havi

1965

1965 O ano de 1965 foi muito importante na minha vida: pessoal e profissional, mas eu ainda não tinha uma profissão. Trabalhara em lojas, em venda de vários tipos de produtos, desde sapatos, móveis de aço para escritório, discos, até produtos de limpeza vendi. Tinha 18 anos e fui morar em um apartamento em um local privilegiado em Recife, no bairro Boa Vista, na Rua Fernandes Vieira. Por mim mesmo não teria condições de pagar parte do aluguel daquele apartamento, ainda que dividido com mais cinco colegas, às vezes conseguia ajudar nas contas, às vezes não. Era um apartamento de três bons quartos, sala ampla, cozinha, área de serviços e dois banheiros, sendo um destes da empregada. Esses colegas já moravam lá há muitos anos, filhos de gente bem situada financeiramente. Eram comerciantes, donos de fazendas, filhos de políticos do interior da Paraíba e também do interior de Pernambuco, que mandavam seus filhos estudar em Recife. Nesse grupo havia três universitários, já concluindo os cu

Gertrudes

Gertrudes As filhas de Gertrudes são três, duas já são casadas; a caçula de 18 anos ainda está em casa; o nome desta é Ana Maria. Caso o nome revelasse a personalidade de alguém Ana Maria mostraria ser de um de temperamento previsível, quieta, talvez tímida, apesar de que dificilmente uma mulher seja acanhada. Mas essa Ana Maria é o contrário, é imprevisível, exagerando um pouco, pode-se até dizer que ela é bipolar. Não sabe-se qual é sua reação quando fala-se com ela sobre algum assunto. Gertrudes soube que uma amiga sua falecera, tinha que ir ao velório, mas não queria ir sozinha. Ato continuo perguntou: "Ana, vamos ao velório da Alcinda?" Ana respondeu: "Mãe, você sabe que eu não gosto de ir a velório de quem quer que seja, mesmo sendo de alguém da família." "Mas não pode ser assim, Aninha". Era assim, este tratamento que Gertrudes dispensava à filha quando queria agradá-la ou convencê-la de alguma coisa. Com o pai ela não teimava ou discordav

Bom Retiro

As ruas comerciais do Bom Retiro, estavam vazias, as lojas fechadas; só algum ônibus passava pela Rua Silva Pinto; também raramente passava um carro particular. Era um sábado a tarde final de abril do ano de 1968, outono, os ventos próprios dessa estação já sopravam frios, arrastando papeis jogados nas ruas. Guilherme olhava da janela de seu apartamento esse ambiente monótono, o silêncio que só era cortado pelo som de um rádio do apartamento vizinho que tocava Bob Dylan "Like a Rolling Stone". Porém tudo isso o levava a refletir, sobre esse ano incomum, devido a protestos e conflitos ao redor do mundo. Pegou a revista Realidade que comprara em uma banca de jornal  em frente a padaria e jogara sobre a escrivaninha. Na padaria era onde ele tomava o café da manhã dos fins de semana: um pingado, um pão com manteiga e às vezes um ovo frito dentro do pão francês. Uma reportagem da revista lhe chamara a atenção, era sobre o casamento de um ex padre no interior da Paraíba e também de

O furto de tecidos

O caso a seguir é quase todo verdadeiro. Pelas verdades eu respondo; pelas inverdades, não assumo nenhuma responsabilidade.  Zulmira era uma galega* muito bonita de mais ou menos trinta e cinco anos. Loira, alta, olhos verdes claros, vestia-se bem, saias bordadas e barradas com bicos largos, blusas de cambraia de linho ou de puro algodão. Tecidos retirados da loja do marido e entregues para serem aviados pelas melhores costureiras do lugar. Era esposa de Juvenal, comerciante estabelecido no centro da cidade. Juvenal casara com Zulmira quando ele já contava mais de quarenta anos, já bem de vida, de tal sorte que para a noiva fora um bom partido, sendo ela filha de sitiantes do entorno da cidade. Juvenal iniciava uma calvície que o perturbava, mesmo tentando disfarçá-la com todo tipo de penteado. Era de média estatura, um pouco de barriga, queixo quadrado, falava bem e era prolixo. Juvenal tinha um objeto material de prazer que era um Aero Williys de cor preta e que sempre estava brilhan