Gertrudes

Gertrudes

As filhas de Gertrudes são três, duas já são casadas; a caçula de 18 anos ainda está em casa; o nome desta é Ana Maria. Caso o nome revelasse a personalidade de alguém Ana Maria mostraria ser de um de temperamento previsível, quieta, talvez tímida, apesar de que dificilmente uma mulher seja acanhada. Mas essa Ana Maria é o contrário, é imprevisível, exagerando um pouco, pode-se até dizer que ela é bipolar. Não sabe-se qual é sua reação quando fala-se com ela sobre algum assunto.

Gertrudes soube que uma amiga sua falecera, tinha que ir ao velório, mas não queria ir sozinha. Ato continuo perguntou: "Ana, vamos ao velório da Alcinda?"

Ana respondeu: "Mãe, você sabe que eu não gosto de ir a velório de quem quer que seja, mesmo sendo de alguém da família."

"Mas não pode ser assim, Aninha". Era assim, este tratamento que Gertrudes dispensava à filha quando queria agradá-la ou convencê-la de alguma coisa. Com o pai ela não teimava ou discordava muito. A mãe de Gertrudes morava com eles e acompanhava o colóquio à distância.

Umas duas horas depois Gertrudes voltou a inquirir a filha: "e aí Aninha, você vai comigo?" A filha fez-se de desentendida e respondeu com uma pergunta: "Aonde, mãe, aonde?" 

"Ao velório, filha, já se esqueceu ?." Respondeu a mãe impaciente. 

"Não, eu já disse que não mãe. Acho um saco, um absurdo essa coisa de velório. Um morto e as pessoas  todas à sua volta, tinham que mudar isto, deixar o morto em uma sala, só esperando o tempo legal para não ser enterrado vivo, mesmo porque o morto nada vê."

"Menina, de onde você tira essas ideias malucas? Você parece sua tia em tudo; do físico à cabeça, meu deus." Gertrudes referia-se a sua irmã que era uns dez anos mais nova que ela. Quando brigava com a sua irmã, a chamava de "queimadora de sutien"; devido suas rebeldias. {Refería-se ao WLM (Women’s Liberation Movement) acontecido em 1968, episódio conhecido como Bra-Burning, em Atlantic City}.

Artur, esposo de Gertrudes diz que a filha é estudiosa, atualizada, lê muito  e é muito jovem, além de tudo. Deve ser perdoada.

A mãe de Gertrudes, como foi dito, acompanhava à distância, e na idade dela, por volta dos oitenta, divertia-se com a discussão da filha com a neta. Também não queria interferir, só emitia opinião quando solicitada. A filha discutia com a neta, mas com pouco estariam aos abraços e beijos. Era como se meter em briga de marido e mulher; quando a briga terminava, acabam indo dormir juntos.

Gertrudes não conseguiu convencer a filha a fazer-lhe companhia para despedida eterna da amiga. Lembrou-se de uma amiga, que há muito tempo não a via, ex-colega da faculdade, do curso de letras, que não era amiga da morta, mas que dificilmente faltaria a um velório. Diziam que os mortos apareciam a ela, pedindo ajuda. Passou na casa da amiga Claudete. Não precisou investir muito em conversa para convencê-la a acompanhá-la.

Gertrudes perguntou a Claudete a razão de ela ir a quase todos velórios que tinha conhecimento. A Claudete respondeu que ia rezar e sentir-se aliviada, pois achava que ajudaria de alguma forma as almas dos de cujus e "conversava" com alguns deles. 

Após saírem do velório a Claudete manteve-se a alguns passos atrás de Gertrudes. Gesticulava e falava baixinho, como estivesse com outra pessoa: ".... Quer alguma ajuda?...." "Eu sei, sempre fica alguma coisa pendente ....." "Vou fazer o máximo que puder ...."

Gertrudes sentiu seu corpo arrepiar, dos pés à cabeça. Perguntou a amiga: "Claudete, você estava conversando com Alcinda?" Claude respondeu: "eles quase sempre querem conversar comigo, pedem para fazer ou cuidar de alguma coisa, porque ninguém deixa tudo pronto, ninguém deixa tudo resolvido."

Gertrudes disse: "ouvi falar isto de você, essa facilidade de se comunicar com os mortos, mas nunca quis falar desse assunto; acho que é muito particular." "Mas por que a Alcinda não pediu para alguém da família ou para alguma amiga? Você nem a conhecia." Claudete disse: "É difícil explicar essas coisas, contudo, as pessoas da família e amigos próximos estão em um momento de muita emoção para tratar desses assuntos."

Quando chegou de volta a casa comentou sobre Claudete, com a mãe e a filha. Ana Maria disse: "não acredito nisto, sinceramente." Gertrudes já esperava esta reação da filha, no entanto não quis discutir.






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