1965

1965

O ano de 1965 foi muito importante na minha vida: pessoal e profissional, mas eu ainda não tinha uma profissão. Trabalhara em lojas, em venda de vários tipos de produtos, desde sapatos, móveis de aço para escritório, discos, até produtos de limpeza vendi. Tinha 18 anos e fui morar em um apartamento em um local privilegiado em Recife, no bairro Boa Vista, na Rua Fernandes Vieira. Por mim mesmo não teria condições de pagar parte do aluguel daquele apartamento, ainda que dividido com mais cinco colegas, às vezes conseguia ajudar nas contas, às vezes não. Era um apartamento de três bons quartos, sala ampla, cozinha, área de serviços e dois banheiros, sendo um destes da empregada. Esses colegas já moravam lá há muitos anos, filhos de gente bem situada financeiramente. Eram comerciantes, donos de fazendas, filhos de políticos do interior da Paraíba e também do interior de Pernambuco, que mandavam seus filhos estudar em Recife. Nesse grupo havia três universitários, já concluindo os cursos: engenharia mecânica, engenharia elétrica e Psicologia; dois deles só trabalhavam, mas tentavam vestibular. Eu, ainda estava na quarta série do ginásio.

Naquele ambiente de pessoas de mais idade, de conhecimento e de experiência muito maiores que as minhas, aprendi muito: coisas boas e ruins; mesmo as ruins ajudariam-me a pensar e me aprumar mais tarde. Travavam-se muitas discussões sobre economia, cinema e política. Recebíamos visitas de um economista da Sudene, de um médico que no futuro seria senador e outras pessoas importantes.

Por outro lado, antes de eu morar lá, houve uma denúncia (diziam eles, não comprovada) de curra feita por alguns dessa turma no apartamento. Foram parar na delegacia, a notícia foi publicada em jornais. A história nunca ficou clara pra mim, porque só ouvi partes dos relatos que nunca consegui emendar. Havia um deles que gostava muito de ler os livros de bolso do FBI. À guisa de gozação, diziam que este fora o que se saiu melhor nas explicações e justificativas que deram à polícia.


Já havia lido, mas pouco; li mais na terceira série do ginásio, por influência de um colega que é poeta e hoje médico. Lia livros e jornais. As posições políticas dessa turma eram variadas. Havia gente de esquerda, de direita e liberal. Às vezes os da esquerda defendiam posições radicais. Quando o Senador Robert Kennedy visitou a cidade houve protesto de alguns dessa turma, pelo fato de ele ser americano e por conta disto, era taxado de imperialista. Pra mim ainda era confuso, mesmo quando ouvia os prós e os contras.

Nessa época Li "O Senhor Embaixador" de Érico Veríssimo, "As Sandálias do Pescador" de Moris West, "O Homem que Calculava" de Malba Tahan, "Os Pastores da Noite" de Jorge Amado, romances do Ian Flemming, e outros.

Também íamos muito aos cinemas: Moderno, Veneza, São Luiz, este era o mais famoso; íamos bem vestidos, até de gravata. Havia muitos cinemas em Recife e Olinda, diziam que havia mais de cinqüenta. Vi "La Doce Vitta", "Charada", "A Pantera Cor de Rosa", "Jack o Estripador." Esses cinemas ficavam perto de onde eu morava, ia à pé para o São Luiz e ao Cine Moderno.


Ali perto de onde morávamos ficava o Colégio Americano e vizinho havia uma loja de tecidos, que comprávamos tecidos para ternos, para pagar em algumas vezes, cujo proprietário tinha três filhas. Três de nós fizemos amizade com elas e da amizade passamos a namorá-las por alguns meses. Eram moças que estudavam em bons colégios, bonitas e bem educadas. Na casa delas víamos o "Fino da Bossa", em uma TV preto e branco de imagem chuviscada.


Outro lugar que freqüentávamos era um Clube em Camaragibe, na Grande Recife. Nesse local havia bailes aos sábados à noite. Dançávamos e bebíamos até não podermos mais.


Lá para o fim de 1965 fui visitar uns amigos de meus pais que moravam, pelo que me lembro, em Cajueiro. Nessa visita conheci a filha única do casal. Era uma jovem de mais ou menos dezesseis anos. Muito bonita, olhos verdes claros, educada; nunca tinha namorado. Estudava em um colégio de freiras. Decidimos namorar e aos sábados e domingos lá ia eu em um ônibus que demorava a vida toda pra chegar no ponto final de uma rua alta, e a casa dela em uma rua baixa, que eu tinha que descer uma ladeira; tinha que me segurar para não desembestar correndo contra minha vontade.

Certo dia eu passei no colégio dela na hora de saída das alunas. Lá vinha ela de uniforme: blusa branca, saia azul marinho plissada abaixo dos joelhos, sapatos pretos e meias brancas que iam de encontro dos joelhos. Quando ela percebeu que eu estava ali, passou por mim de braço dado com uma colega, com o rosto virado para o lado contrário ao meu, como se nunca tivesse me visto na vida. Eu fiquei furioso mas não disse nada, deixei-a passar. Fiquei chateado, mas aí conclui, após pensar o resto da semana, que ela estava com vergonha de me apresentar à sua colega, talvez por timidez. Perguntei a ela, no encontro seguinte, por que ela não quisera falar comigo naquele dia; ela disse que não tinha me visto. Mentirinhas de adolescentes, pensei.

Outra ocasião, fui visitar um cliente, passei em frente ao colégio dela, também na hora da saída das alunas. Eu vestia terno e gravata. Lá vem ela em minha direção, largou as colegas, correu para me abraçar, como uma criança que corre para abraçar o pai. Nos abraçamos e nos beijamos fortemente, como se fizesse muito tempo que não nos encontrávamos e caminhamos por um bom tempo abraçados. Ela tinha esses momentos de alto e baixo humores, era uma menina!

Eu estava sem dinheiro, ganhava pouco e já pensava em voltar para Paraíba, e com os planos de vir pra onde hoje estou, há mais de meio século, em São Paulo.

Decidi pedir dinheiro emprestado ao pai da menina; (todavia, antes conversara com ela), para pagar com as comissões que eu receberia no mês seguinte, e ele prontamente me emprestou. Em pouco tempo o namoro acabou, não recebi as comissões conforme planejara, as vendas foram fracas. Voltei para Paraíba de trem, sem dinheiro. Minha intenção era fazer o pagamento da dívida quando recomeçasse a vida em São Paulo. Nesse ínterim, o pai da menina encontrou meu pai (meu pai o conhecia de longa data), e contara a história do empréstimo; meu pai ficou surpreso, mas saldou minha dívida. Meu pai sempre me lembrava desse assunto, lá pela quarta vez eu disse "pai, o senhor já falou tanto disto, quer que eu lhe pague, é isto?" Era certo que eu teria que pagar para o meu pai, porém ele não quis receber; talvez fosse uma forma que encontrava para dizer que me ajudara; também ele nunca mais falou nisso, nem eu. Foi um ato impensado e irresponsável, serviu-me de lição.


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