Bom Retiro

As ruas comerciais do Bom Retiro, estavam vazias, as lojas fechadas; só algum ônibus passava pela Rua Silva Pinto; também raramente passava um carro particular. Era um sábado a tarde final de abril do ano de 1968, outono, os ventos próprios dessa estação já sopravam frios, arrastando papeis jogados nas ruas.
Guilherme olhava da janela de seu apartamento esse ambiente monótono, o silêncio que só era cortado pelo som de um rádio do apartamento vizinho que tocava Bob Dylan "Like a Rolling Stone". Porém tudo isso o levava a refletir, sobre esse ano incomum, devido a protestos e conflitos ao redor do mundo. Pegou a revista Realidade que comprara em uma banca de jornal  em frente a padaria e jogara sobre a escrivaninha. Na padaria era onde ele tomava o café da manhã dos fins de semana: um pingado, um pão com manteiga e às vezes um ovo frito dentro do pão francês.
Uma reportagem da revista lhe chamara a atenção, era sobre o casamento de um ex padre no interior da Paraíba e também de outros padres que não suportaram o o desconforto do celibato. Leu a reportagem inteira refletiu sobre a história, era um tabu que estava sendo desnudado, como muitos outros dessa década. Já era quase seis da tarde. Um prédio mal conservado a uns duzentos metros dava para ver de sua janela. Um prédio que abrigava escritórios de despachantes, advogados, contadores e alguns apartamentos de prostitutas que faziam ponto à noite. Elas já saiam para conquistar clientes, aos magotes feito tanajuras. Como ele era jovem e a namorada era para noivar e casar, pois raramente havia sexo antes do casamento. Ele tinha que de vez em quando pagar a essas mulheres por um momento de prazer. às vezes deixava de pagar alguma conta para gastar com elas; uma vez por mês. Outros dias do mês tinha que usar a "palmita de la mano" como dizia um amigo seu.
Viu a Tereza postar-se na esquina do prédio, e Guilherme saiu do apartamento apressado, para ser o primeiro cliente dela naquele início de noite. Conversaram e subiram para apartamento. Eles já haviam saído outras vezes por isto eles já sabiam seus nomes, e ele dava preferência a ela. Ela era uma mulher bonita e educada, de idade em torno de trinta anos, balzaquiana, na época de Balzac. Já havia estudado até o segundo ano do científico em uma boa escola pública. Era inteligente e lia bastante. Tereza poderia trabalhar em empresas, em outra atividade se quisesse, mas preferia esta que lhe rendia mais dinheiro para ajudar a família. Depois de consumado o ato, a Tereza disse sem pressa e olhando para o Guilherme que quase cochilava: "você faz muito rápido, vai ter problema com sua mulher, quando casar." Ele ficou ao lado dela na cama por algum tempo, ainda nu, pensativo. Por que essa mulher se preocupava com isto? Se era melhor pra ela se ver livre dele o mais rápido que pudesse para atender a outro cliente. Guilherme vestiu-se, acendeu um cigarro, despediu-se dela, desceu as escadas rapidamente, de degraus gastos pelo intenso uso ao longo dos anos. Tereza ficou pensando em Guilherme que parecia ser um bom rapaz, enquanto tomava um banho.
Guilherme foi para casa da namorada no Jaçanã, em um local onde havia uma pracinha muito perto da casa dela. Ela estava no portão esperando-o. Assim que o viu foi em sua direção. Cabelos compridos, com a cabeça pensa para um lado, com um leve sorriso. Era uma mulher muito bonita e inteligente. Ele a abraçou e a beijou, colocou o braço em volta de seu pescoço e andaram os dois em direção a um ponto de ônibus. Foram a um cinema no centro da cidade. Uma das distrações preferidas por eles. Cine Marrocos, na rua Conselheiro Crispiniano. Futuramente esse cinema seria ocupado por sem tetos.

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