A Raposa e o Pássaro
A
Raposa e o Pássaro
Vou
contar uma estória, ou uma fábula como queira, que minha mãe
contava quando éramos crianças, à noite na calçada.
Como
faz muitos anos, há algumas adições e subtrações, devido ao
andar inexorável do tempo; afinal, quem conta um conto acrescenta um
ponto.
É
sobre a raposa que pegou um pássaro conhecido de todos moradores dos
sítios: Pau D'Arco, Carnaúba, Belo Horizonte. Cantava muito bonito,
já às cinco da manhã, com a abertura das primeiras flores da
primavera, pois o sertão também tem flores, e lindas! Quando essa
estação terminava ele silenciava, embora estivesse sempre
fisicamente presente. Pela descrição que minha mãe fazia do
pássaro, parecia ser um sabiá laranjeira.
Pois
a raposa atrevida se apresentou a todos com o pássaro na boca cheia
de dentes afiados, e o segurava pelo pescoço, já no ponto de dá-lhe
uma mordida fatal. As pessoas se juntaram e pediram para a raposa
soltar o pássaro, porque era um pássaro muito amado por todos. Mas
a raposa não estava nem aí para a hora do Brasil.
A
dona Ana, uma senhora de muitos anos, disse pra raposa que ela tinha
outras comidas para escolher, por exemplo: ratos, cobras, escorpiões,
lacraias. Mas a raposa não se rendia aos apelos, sentou-se, como um
cão se senta e ficou olhando pra todo mundo. O marido da dona Ana,
seu João, estava a ponto de pegar a espingarda de chumbinho e
acertar um tiro bem na fuça dela. Mas a dona Alice, vizinha deles,
disse: “não, o senhor está louco? Vai acabar matando os dois.”
O seu Sebastião disse: “nós temos que pensar em uma forma dessa
raposa responder a nossas perguntas, assim ao abrir a boca o
passarinho fugiria.” Aí todos ao mesmo tempo disseram: “isso
mesmo, bem pensado.” O seu José, que estava sentado em um banco na
frente da casa, enrolando seu cigarrinho de palha, com fumo de corda,
começou fazendo a primeira pergunta: “o seu nome é raposo ou
raposa?” As pessoas ali presentes não gostaram da pergunta, posto
que olhando bem dava para descobrir se o animal era macho ou fêmea.
Observaram e viram que era fêmea.
Aí
a dona Joana disse: “senhora raposa, você deve ser mãe e as mães
são sensíveis, pelo amor de Deus solte esse pássaro.” Aí o seu
Sebastião disse: “ela, e nenhum bicho sabe quem é Deus, e se
pensarmos bem ela deve alimentar os filhos dela com nosso querido
pássaro.” Até aquele momento a raposa não respondera nada. Ela
devia pensar pra si e se gabar de sua inteligência, de sua vaidade,
não dava a mínima para aquela gente tonta; sabia que abrindo a boca
o pássaro escapava.
Mas
aí uma moça de nome Isabel, que estava às vésperas de se casar
disse: “eu sei que essa raposa é apaixonada pelo marido dela. E se
perguntarmos se ela ama de verdade seu marido?” Aí a moça fez a
pergunta e a raposa respondeu: balançando a cabeça, assentindo. A
aquela altura todos estavam decepcionados, a raposa tinha o recurso
de não responder as perguntas, conforme orientação de seus
advogados, como em outras vezes, de permanecer calada ou simplesmente
fazendo gestos afirmativos e negativos com o menear da cabeça.
Estava
difícil. Outra vez o seu Sebastião disse: “Isabel disse que ela é
apaixonada pelo marido, então podemos inventar que o marido dela
fugiu com outra raposa, mais bonita e mais nova do que ela.” Mas as
pessoas não se sentiam confortáveis em mentir. Travou-se uma
discussão ética, do politicamente correto, e a raposa já estava
impaciente, já querendo fugir e o pássaro já estava meio sufocado,
preso pelo pescoço.
O
seu Sebastião disse: “senhora raposa, você está aí toda
convencida, se achando a rainha da cocada preta e seu marido, ouviu? O
seu marido está com outra, muito mais bonita e mais nova do que
você.” Aí a raposa arregalou os olhos, levantou-se em um salto e
disse: “mentiraaaaaaaa” com uma voz tão forte que ecoou pelas
montanhas azuis, que enchem de beleza aquelas terras, e o pássaro
voou livre para o topo de uma aroeira.
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