Os Filhos de Jeca Tatu
“Os Filhos de
Jeca Tatu”
Era assim que nós éramos chamados, os filhos de
Assis Simão e Lucilinha. Curiosamente, Jeca Tatu não usava sapato
ou bota. Mãe contou-me essa história várias vezes e todas as vezes
ríamos muito juntos ! Porque mãe tinha sorriso, humor e choro
fáceis. Às vezes juntava tudo, numa tacada só, talvez para deixar
a coisa mais realista.
Pai encomendava pra nós botas e
sapatos a Zé Valdevino, que era um sapateiro, digamos, oficial de
Marizópolis, cuja oficina era localizada no prédio da esquina, que
nós olhamos pra ele a vida toda, onde ela e pai se casaram fugidos,
num dia de feira.
Eu ia tirar os moldes dos pés, que a
princípio eram de papel, depois eram passados para o couro; e eu
ficava olhando para aquelas formas de sapato, com três pés de
ferro, de madeira, por cima da mesa já toda manchada de tintas e
também pelo chão, e as latas de colas e couros cortados
espalhando os cheiros próprios desses materiais. E Zé Valdevino com
um lápis preso a orelha, ouvia as escolhas, os preços e as
recomendações de meu pai.
Pois então, nós usamos botas e
sapatos e o famoso personagem de Monteiro Lobato, Jeca Tatu, não.
Para entender melhor é preciso saber que Jeca Tatu era tudo que
ninguém queria ser. Um caipira desleixado, ignorante, não adepto a
higiene. Mas, apelidos com força de apelidos tem que arrasar, tem
que deixar o apelidado se arrastando feito cobra em terra quente.
O
que me encanta hoje é que naquela época as pessoas mais simples
tinham algumas fontes literárias para contar os “causos” e até
achar apelidos, e essas fontes eram os professores itinerantes, como
era o caso de seu Antonio Olinto, que perambulava pelos sítios: Pau
D'Arco, Carnauba, Belo Horizonte, etc, juntando a meninada para dar
aulas em salas improvisadas. Além da tabuada e da cartilha de ABC
havia uma cartilha que tinha Tia Emília na capa, tudo utilizado pelo
meu primeiro mestre.
A outra fonte era o Almanaque. O Almanaque
tinha vários tipos de informações que os agricultores utilizavam,
os poucos letrados liam ou os próprios filhos, e no meio de tudo
havia histórias, como as de Jeca Tatu
A pessoa fazia a feira de
farinha, arroz, rapadura, carne de jabá, querosene pra lamparina,
numa bodega e ganhava um Almanaque.
Era assim e dou fé.
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