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Os Jogadores da Praça

Os Jogadores da Praça Os bairros de São Paulo, devido suas dimensões, têm vida própria, como se fossem cidades distintas do todo, que compõe a Capital. Lapa, Pinheiros, Moema, Higienópolis, Tatuapé, Casa Verde, Moóca, Morumbi, Santo Amaro (este último já fora cidade independente, incorporado a Capital em 1935), etc. São alguns exemplos de “cidades”. Por vezes ver-se em praças, nesses bairros, com freqüência mal cuidadas, pessoas sentadas em bancos, aposentados jogando dama, truco, em mesas improvisadas. Em uma dessas praças, em um desses bairros, quatro freqüentadores assíduos, estão jogando dama em uma mesa quadrada e de pernas instáveis: Alberto, falador, de ascendência italiana, que toca um negócio de banca de jornal, com pouco movimento (“por causa da internet”, ele diz). Tem boa voz e de vez em quando canta alto “La Traviata” de Giuseppe Verdi; Juvêncio, motorista de táxi, que tem ponto fixo ali mesmo na praça, cuja reclamação recorrente é de uma empresa de aplicativos, ...

Registro 3

Registro 3 Na Rua Tito, na Lapa, havia uma empresa metalúrgica, onde trabalhei no início da década de setenta, indicado pelo meu ex-colega de escola e amigo Walter Matheus Vicente. O Walter decidira só estudar, para enfrentar o vestibular de medicina, e eu o substitui. Nesse período eu tinha concluído o curso de técnico em contabilidade, e havia iniciado um o curso de preparação para o vestibular. Ainda não havia escolhido o curso superior que ia fazer. O contador da empresa, Sr. Waldemar Mendonça me dava algumas orientações de ordens pessoal e profissional; um senhor que gostava muito de carros e tinha a aparência física do Glen Müller, usava aqueles tipos de óculos e tudo. Era alto, usava camisas de mangas curtas por fora das calças, mas sempre muito bem passadas. Gostava muito de carros. Estacionava seu carro no outro lado da rua em frente a janela do escritório para facilitar sua visão. Às vezes levantava-se olhava para seu carro através da janela, penteando os cabelos para traz...

Registro 2

Registro 2 Na década de setenta eu trabalhei em duas empresas de produção de filmes comerciais para TV e de longa-metragem para o cinema. Na função de sub-contador; naquela época existia esse cargo. A primeira delas foi a G.Smith do Brasil, cujo sócio principal fora um argentino de nome Guilhermo Smith; a segunda, foi a Lutafilmes, cujo longa produzido por ela fora “O Detetive Bolacha Contra o Gênio do Crime” dirigido por Tito Teijido, baseado no livro do escritor João Carlos Marinho. O Sr. Guilhermo aparecia no escritório da empresa, para acompanhar os negócios e também quando havia alguma reunião importante com cliente, posto que residia em Buenos Aires. Vinha sempre muito elegante, de terno e gravata; parecia um nobre inglês. Conversava raramente comigo, só quando precisava de alguma informação contábil, pois o contato dele era com os outros sócios e o pessoal da produção. Quando sabia-se que ele vinha ao escritório organizavam-se tudo, punham-se tudo que estava fora de lugar...

Registro 1

Registro 1 Seção de amostra de produtos da empresa Ex, meu primeiro emprego em São Paulo, em março de 1966. Wilson(o chefe), Paulo, Caetano, Nelson, Jair, eram meus colegas. Aquela era uma seção que os empregados da empresa gostavam de ir e relaxar nas horas ociosas, lavar um pouco de roupa suja, distantes dos olhos dos chefes, tomar um cafezinho servido pelo seu Casanova, que as meninas o tratavam carinhosamente de “seu Casinha”; mineiro, alto, magro, educado, de cabelos pretos penteados para traz e bigode fininho. Parecia com o comediante italiano Ciccio Ingrassia. Seu Casinha colocava a bandeja com o bule grande de alumínio, quente e cheio, e as xícaras, sobre uma mesa no centro da seção, que era a mesa do chefe. Enquanto bebíamos o café, falávamos de futebol, de programas de TV, da Jovem Guarda. Vinham secretárias de outros departamentos conversar conosco; era uma seção só de homens porque havia muitos trabalhos pesados tais como carregar e descarregar caixas de uma perua,...

Cinco Minutos

Cinco Minutos Ewerton entrou apressado na estação do metrô Clínicas em São Paulo, passou pela catraca, desceu a escada rolante pelo lado esquerdo, correndo escada a baixo em direção a plataforma. Havia poucas pessoas aguardando o próximo trem, pois o anterior passara fazia poucos segundos. Esforçara-se ao máximo para ir naquele trem que passou, apesar de que o próximo passaria rápido, em torno de cinco minutos. Estava trabalhando em uma empresa há quase três meses e fazia tudo para não se atrasar. Vinte e cinco anos de idade, no último ano na faculdade de economia. Tem boa presença, veste-se de acordo com o que considera bom senso, com simplicidade e discrição. Porte físico atlético, conseqüência de muitos anos de prática de basquete; alto, ombros largos, como a maioria dos que praticam esse tipo de esporte. Cabelos pretos, lisos, bem aparados; barba cerrada de uns dois dias por fazer. É leitor voraz de literatura, sua mochila sempre tem um livro, fora o que ele ler no kindle, emb...

A Título de Registro

A Título de Registro Agora o ônibus deslizava pela planície sousense, à esquerda já se viam os primeiros coqueiros e os bangalôs de São Gonçalo, e lá em cima da “Pedra Talhada”, imponente: Marizópolis, a Mesopotâmia do Sertão. O rádio do ônibus tocava “Menina Veneno” de Ritchie. Quem ia descer em Marizópolis já se esgueirava para pegar seus pertences, tentando equilíbrio no corredor do ônibus. Para descer em Marizópolis, carecia de avisar ao motorista, porque a passagem vendida em João Pessoa tinha destino final a cidade de Cajazeiras. A viagem de João Pessoa-Marizópolis, durava quase nove horas, devido ao excesso de paradas que o ônibus fazia; umas necessárias, outras para atender acordos tácitos com donos de restaurantes, que nem sempre eram interessantes para os passageiros. Com mais ou menos a mesma distância São Paulo-Rio, na época, fazia-se a viagem em seis horas, em ônibus mais confortáveis. Naquela altura Marizópolis já fora desmembrada da administração de Sousa havia ...

A Estrada para São Gonçalo

A Estrada para São Gonçalo Como eu fizera muitas vezes, ao romper da aurora, após comer um pão da padaria de Dona Iracema, recheado com manteiga ou com nata de leite salgada e café, pegava apressado minha bicicleta Gulliver de pneus balão, prendia os livros escolares ao bagageiro e seguia em direção a estrada de terra, passava sobre o mata-burro de trilhos espelhados, devido ao atrito dos pneus dos veículos ao longo dos anos, que brilhavam à luz do sol ou da Lua, descia pedalando em direção a São Gonçalo. Dava para ver uma nesga de água do açude a direita, espremida entre colinas e serras arborizadas. Acompanhava a conhecida mata “Manga do Posto” dos dois lados da estrada, porém mais densa no lado esquerdo, e um cheiro do capim e das folhas das árvores, molhados pelo sereno da madrugada muitas vezes fria, fazia-se sentir. Pelo que me lembro das conversas que ouvia, dando conta de pessoas que se perdiam na mata; em uma época de chuvas, uma pessoa se perdera, não e...