A Estrada para São Gonçalo
A
Estrada para São Gonçalo
Como
eu fizera muitas vezes, ao romper da aurora, após comer um pão da
padaria de Dona Iracema, recheado com manteiga ou com nata de leite
salgada e café, pegava apressado minha bicicleta Gulliver de pneus
balão, prendia os livros escolares ao bagageiro e seguia em direção
a estrada de terra, passava sobre o mata-burro de trilhos espelhados,
devido ao atrito dos pneus dos veículos ao longo dos anos, que
brilhavam à luz do sol ou da Lua, descia pedalando em direção a
São Gonçalo. Dava para ver uma nesga de água do açude a direita,
espremida entre colinas e serras arborizadas. Acompanhava a conhecida
mata “Manga do Posto” dos dois lados da estrada, porém mais
densa no lado esquerdo, e um cheiro do capim e das folhas das
árvores, molhados pelo sereno da madrugada muitas vezes fria,
fazia-se sentir.
Pelo
que me lembro das conversas que ouvia, dando conta de pessoas que se
perdiam na mata; em uma época de chuvas, uma pessoa se perdera, não
encontrara o caminho de volta (dizia-se ariado) e fora encontrada
dias seguintes quase sem vida. Eram conversas a noite, nas calçadas,
que ouvíamos, mas não guardávamos os nomes, por vezes os lugares,
esquecidos ou substituídos por outras preocupações e afazeres.
A
mata já não existe mais, com ela foram também os bichos, até as
onças; acabaram com tudo. Hoje há um pé de jurema aqui, um mofumbo
ou marmeleiro acolá. Tudo foi consumido, desmatado, devastado: os
angicos, as aroeiras, os juazeiros, as amburanas.
À
frente, em uma curva com uma leve descida havia algumas cruzes para
lembrar mortos em acidentes passados. As cruzes empoeiradas
suportavam pequenas pedras postas inconscientemente(ou
conscientemente por alguns), por pessoas que ali passavam, seguindo
heranças e costumes judaicos para reverenciar os mortos. Essa curva
é conhecida e lembrada como a “curva da finada Naninha”. Quando
passava por lá, às vezes escuro, evitava olhar para aquele lado
onde as cruzes estavam fincadas, por medo de ver as almas das pessoas
que ali morreram; e que não faltava alguém para contar estórias de
aparições assombrosas. Um pouco mais pra frente, olhando-se a
parede e o sangrador do açude, há uma descida acentuada (que
algumas vezes caí com bicicleta livros e tudo), antes de entrar
efetivamente na rua principal.
(Alguns
anos antes havia uma mercearia de propriedade de Antonio Genésio e
em frente da mercearia, uma padaria. Meu pai conhecia o dono da
padaria e às vezes passávamos por lá, eu na garupa do cavalo, com
mais ou menos seis anos; para minha alegria ganhava pão doce do
padeiro que com certeza tinha outro nome, mas nós o chamávamos de
“Padeiro”. Ainda morávamos no Sítio Carnaúba, no Município de
Antenor Navarro; pouco tempo depois mudaríamos para Marizópolis).
Agora
eu andava muito de bicicleta (não tanto quanto meu tio Zé Braga!) e
já tinha quinze anos nas costas, estudava em Sousa e juntava-me a
turma que ia para aquela cidade todas as manhãs em uma Opel. Mas
sobre aquelas viagens para Sousa já contei em meu livro “Contos
que a Vida Conta”, portanto, não vou repetir. O que não contei é
que entre aqueles meus colegas que lotavam a Opel, estava Neilton
Gomes de Matos, que infelizmente o perdemos muito jovem. Eu já
estava em São Paulo, na década de setenta, quando recebi por carta
a informação de seu passamento; senti imensamente, chorei muito a
perda do meu ex-colega. Afinal nos encontrávamos também fora da
sala de aula, éramos amigos, bebíamos (apesar de menores) juntos,
conheci seus pais e ele os meus. Ele era alto, loiro, com marcas
deixadas por muitas espinhas no rosto, muito alegre e aproveitava
cada momento, como se soubesse que sua vida seria breve. Aliás, em
um bangalô no outro lado da estrada, naqueles mesmos tempos, o Dr.
Milton Guerra perdera duas filhas também muito jovens e lindas, que
freqüentemente nos acompanhavam, naquelas viagens.
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