Registro 3
Registro
3
Na
Rua Tito, na Lapa, havia uma empresa metalúrgica, onde trabalhei no
início da década de setenta, indicado pelo meu ex-colega de escola
e amigo Walter Matheus Vicente. O Walter decidira só estudar, para
enfrentar o vestibular de medicina, e eu o substitui. Nesse período
eu tinha concluído o curso de técnico em contabilidade, e havia
iniciado um o curso de preparação para o vestibular. Ainda não
havia escolhido o curso superior que ia fazer. O contador da empresa,
Sr. Waldemar Mendonça me dava algumas orientações de ordens
pessoal e profissional; um senhor que gostava muito de carros e tinha
a aparência física do Glen Müller, usava aqueles tipos de óculos
e tudo. Era alto, usava camisas de mangas curtas por fora das calças,
mas sempre muito bem passadas. Gostava muito de carros. Estacionava
seu carro no outro lado da rua em frente a janela do escritório para
facilitar sua visão. Às vezes levantava-se olhava para seu carro
através da janela, penteando os cabelos para traz. Certa vez ele me
mostrou uma foto de uma modelo ao lado de um carro e disse: “veja
que foto completa, uma linda mulher e um lindo carro.” Era uma
pessoa muito organizada, tinha uma letra muito bonita, creio que
devido a prática de escrever os lançamentos contábeis no livro
Diário.
Eu
já havia saído da empresa, estava na faculdade em Guarulhos quando
o vi sair de uma sala da faculdade de direito, com uns colegas, com
uma pasta de couro pendurada na mão direita, de paletó e gravata.
Estava realizando seu sonho, já na casa dos sessenta. Não tive
coragem de ir falar com ele. Não sei porquê. Depois desse dia,
infelizmente, não o vi mais.
Era
uma empresa familiar. Havia um cunhado do dono que certa vez me viu
com o livro “História da Riqueza do Homem” de Leo Hubermann, aí
me perguntou: “está estudando pra ser rico?” Eu ri um pouco, mas
não respondi. É que ele tinha pouco estudo e só estava ali na
função que exercia, porque o cunhado o contratara.
Uma
figura era o faturista, o Jackson, que era fã do canal 9 e vivia
contando a programação da emissora. Muito educado, prestativo,
tinha a voz meio afeminada e usava um bigodinho fino.
Havia
uma pessoa que executava serviços gerais, até fazia e servia
cafezinho pra nós, duas vezes por dia, era o Dito. O problema do dito
é que bebia demais. Quando recebia o pagamento ia direto para o bar.
O seu Waldemar às vezes o advertia, quando ele recebia o
salário:”Dito, faz favor de ir direto pra casa; não pare no bar,
está me ouvindo?” Ele respondia que sim, com medo.
Eu
fazia a escrituração fiscal e a folha de pagamento, usando uma
máquina de calcular manual da Facit, quadradinha, toda de ferro, que
tinha uma manivela; ora virava a manivela para frente ora para traz,
dependendo da operação matemática. Devido esse vai e volta era a
chamada “punhetinha”. No dia do pagamento, ia ao banco com um
cheque da empresa até a tesouraria, retirava todo dinheiro, colocava
em uma pasta e vinha a pé pela Rua Pio XI. Hoje em dia, nunca faria
isso; talvez fosse assaltado nos primeiros passos fora do banco. Eram
outros tempos. Chegando a empresa colocava as notas e moedas dentro
de cada envelope e organizava uma fila dos empregados, e ia pagando a
cada um; eu pedia para eles contarem o dinheiro na minha frente e
assinar a folha.
Havia
o irmão de um dos sócios que de vez em quando passava no escritório
e conversava com seu Waldemar sobre os benefícios do arroz integral.
Naquela época estava surgindo restaurantes chamados de
macrobióticos. Ele dizia que seu intestino, com o consumo daquele
cereal, estava funcionando muito bem. “Dava cada cagada!” dizia
feliz. E os dois trocavam informações dos locais onde encontrar o
arroz. Era um rapaz solteiro, já devia ter passado dos quarenta há
algum tempo. Dizia que nunca se casaria por não ter confiança nas
mulheres; tinha medo de ganhar um par de chifres.
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