Registro 2

Registro 2

Na década de setenta eu trabalhei em duas empresas de produção de filmes comerciais para TV e de longa-metragem para o cinema. Na função de sub-contador; naquela época existia esse cargo. A primeira delas foi a G.Smith do Brasil, cujo sócio principal fora um argentino de nome Guilhermo Smith; a segunda, foi a Lutafilmes, cujo longa produzido por ela fora “O Detetive Bolacha Contra o Gênio do Crime” dirigido por Tito Teijido, baseado no livro do escritor João Carlos Marinho.
O Sr. Guilhermo aparecia no escritório da empresa, para acompanhar os negócios e também quando havia alguma reunião importante com cliente, posto que residia em Buenos Aires. Vinha sempre muito elegante, de terno e gravata; parecia um nobre inglês. Conversava raramente comigo, só quando precisava de alguma informação contábil, pois o contato dele era com os outros sócios e o pessoal da produção. Quando sabia-se que ele vinha ao escritório organizavam-se tudo, punham-se tudo que estava fora de lugar no devido canto, e íamos para a empresa mais arrumados. Ele não participara da Lutafilmes como sócio. Creio que a G. Smith continuara somente em Buenos Aires.
A Lutafilmes tinha dois sócios: Camilo Sampaio (irmão de Oswaldo Sampaio que dirigiu “A Marcha”, com participação do Pelé) e Sam Isaac Saragoussi, judeu egípcio, de origem espanhola. Sua esposa era a Mimi, também egípcia, era professora de Francês e muito simpática; os dois conversavam muito em Francês. O Sr. Saragoussi, como o tratávamos, era um homem culto, falava vários idiomas, era rígido, responsável pela administração e o Camilo, pela produção. Na produção havia uma senhora, gaúcha de nome Moema Brum, que mais tarde casara-se com o Camilo. A partir desse casamento ela mudou a postura e comportava-se como se tivesse uma procuração do marido. As outras pessoas da produção eram: Lisete Laghetto, Esmeraldo Camargo, Otacílio de Carvalho, Georges(não lembro o sobrenome), Rodolpho Sanchez, Michael Ford, Berillo Faccio, Percy(não lembro o sobrenome), Georges Laffond, Yara Emma Nesti, uma auxiliar chamada Tirza(não lembro o sobrenome) e um irmão do Esmeraldo(que esqueci nome e sobrenome). Yara, pagou meu trabalho com a declaração do imposto de renda dela com o livro “1984” de George Orwell.
Muitas vezes bebi Campari com Esmeraldo Camargo, em bares ali pela Barra Funda. Havia uma secretária, a Marisa(esqueci o sobrenome); um office-boy, que parecia o Woody Allen, embora naquela época não se falassem nesse famoso diretor. Creio que a semelhança devia-se aos óculos que ele usava. Ele era muito engraçado, vestia um casaco verde oliva com botões hippies, meio militar, calças xadrez boca de sino. Era muito jovem e desligado; quando ele faltava ao trabalho, por algum motivo, vinha seu irmão alto e educado, substituí-lo. Havia um carpinteiro, Viterbo e um pedreiro que usava chapéu de feltro, de bigode fino, chamado Albino.
Por último, se não me esqueci de alguém, a faxineira Maria das Dores. Era de estatura pequena e com aspecto de peruana, esposa de um motorista de ônibus na Santa Brigida. Ele fora muitas vezes ao escritório, no final do expediente, para apanhar a Maria.
Certa vez esqueci de pagar uma guia de imposto e o Sr. Saragoussi quase me matou, quando eu falei pra ele àquela hora do dia, de uma sexta feira. Ele teve que falar com o gerente do banco para “abrir” o fechamento daquele dia(quase tudo era manual), que há pouco havia encerrado. Ficou ao telefone negociando com o gerente do banco para resolver o “imbróglio”, depois me mandou correndo a agência na Álvares Penteado, no centro financeiro de São Paulo naquela época, para entregar a guia ao gerente. A operação fora feita, mas foi uma loucura. Ele por pouco não me mandara embora.
Em outra ocasião eu testemunhara como preposto da empresa, em uma ação trabalhista movida por um ex-prestador de serviços. O juiz me fez bastante perguntas, respondi a todas, não acrescentei nem subtraí nada, só falei a verdade, contudo o juiz deu ganho de causa ao prestador de serviços, com todos direitos de um empregado. O Advogado da empresa, a meu ver, fraco culpou-me pela derrocada; contou tudo aos sócios quando retornamos ao escritório. Eu fazia a contabilidade e os pagamentos da empresa, e o juiz sabia disto; as perguntas do juiz foram pertinentes. Estava de volta a minha sala, os sócios entraram e caíram em cima de mim, só não disseram que eu era bonito! Chamaram-me de traidor, incompetente, que se arrependiam de não terem me despedido antes, com a questão do imposto que esqueci de fazer o cheque para pagamento. Fui humilhado, fiquei puto. Ficaram com a cara virada pra mim alguns dias; depois, aos poucos, nosso relacionamento voltou ao normal. Não me mandaram embora, eu tinha muita informação da empresa, não iria fazer nada com as informações se me despedissem; não é meu feitio. Ainda fiquei lá o tempo que quis.
Quando me casei com a Neide em 1972 quase todos eles foram ao nosso casamento. O Saragoussi elogiava a Neide, em conversa informal comigo, dizia que ela era muito simpática. Mas eu era tão matuto e machista que não lhe respondia nada, não agradecia. Ele devia pensar “quê paraibano burro!”

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