Registro 1

Registro 1

Seção de amostra de produtos da empresa Ex, meu primeiro emprego em São Paulo, em março de 1966. Wilson(o chefe), Paulo, Caetano, Nelson, Jair, eram meus colegas. Aquela era uma seção que os empregados da empresa gostavam de ir e relaxar nas horas ociosas, lavar um pouco de roupa suja, distantes dos olhos dos chefes, tomar um cafezinho servido pelo seu Casanova, que as meninas o tratavam carinhosamente de “seu Casinha”; mineiro, alto, magro, educado, de cabelos pretos penteados para traz e bigode fininho. Parecia com o comediante italiano Ciccio Ingrassia. Seu Casinha colocava a bandeja com o bule grande de alumínio, quente e cheio, e as xícaras, sobre uma mesa no centro da seção, que era a mesa do chefe. Enquanto bebíamos o café, falávamos de futebol, de programas de TV, da Jovem Guarda.

Vinham secretárias de outros departamentos conversar conosco; era uma seção só de homens porque havia muitos trabalhos pesados tais como carregar e descarregar caixas de uma perua, em diversos pontos da cidade. Éramos todos solteiros e elas tinham interesse em nos ver. Até nosso chefe do departamento de propaganda ao qual nossa seção pertencia, o saudoso jornalista Hélio, passava diariamente por nossa seção com seu jornal dobrado e enfiado no bolso do paletó. Muito bem informado, gostávamos de conversar com ele. Certa vez perguntei a ele o que distinguia um país desenvolvido de um subdesenvolvido. Ele respondeu: “o dinheiro”. Eu esperava uma resposta cheia de palavras difíceis, como se expressavam os economistas, mas não, foi uma resposta simples, na lata: falta de dinheiro. É evidente que há muita coisa atrás do desenvolvimento e subdesenvolvimento, mas é que eu andava em busca de respostas por ter lido alguma coisa de Celso Furtado e Caio Prado Jr. E também queria mostrar meu entusiasmo por ter lido alguma coisa desses autores. Ele também gostava de ler Machado de Assis, e viu-me um dia com “Dom Casmurro” embaixo do braço e disse: “você também gosta de ler o Machado?” Ai eu respondi orgulhoso que sim. Daí pra frente ele dizia: “o belo Antonio”(me chamava assim, mas muito longe de eu ser o Marcello Mastroianni!), o jovem que lê Machado de Assis!” Ele era uma figura.

Outra pessoa que vinha nos visitar e tratar do envio de amostras para o exterior, era uma senhora que trabalhava no departamento de exportação, a dona Alice. Muito inteligente, educada, alta, loira de olhos claros; era bonita, também à custa de cosméticos, considerando seus em torno de cinquenta anos. Devido a febre do faroeste italiano, chamado “Spaghetti western”, certa vez eu disse pra ela que gostava mais do gênero americano, e insisti inocentemente nesse argumento. Ela que conversava com o Wilson(os dois tinham sobrenomes italianos) sobre esse assunto, voltou-se pra mim impaciente e disse: “é devido a nossa ascendência italiana, Antonio”. Foi o suficiente para eu me calar, refletir e lhe dar razão!

A secretária de um dos diretores, enquanto este não se dedicava a política, era a dona Marina. Morena, cabelos pretos, com uma mecha branca que pendia sobre a testa, que dava-lhe um charme especial, também usava bastante cosméticos e devia ter a idade de dona Alice. Em uma ocasião as duas, dona Alice e Marina foram passar as férias na Bahia e quando retornaram contavam para nós que o baiano era poético e gentil. Falaram das noitadas que viveram na terra de Jorge Amado e gargalhavam alto! As duas eram, como chamavam na época: solteironas. Muito divertidas!
Mas alí trabalhávamos muito, no entretanto, nos momentos livres aproveitávamos para nos divertir. Formamos um time de futebol para jogar aos Sábados na várzea, às margem do Tietê e também lá no Pacaembu, atrás da concha acústica. Quem jogava bem era o Paulo(Paulinho), ele sabe tudo de futebol, é santista. Mas nossa maioria era corintiana, inclusive o chefe. Ele me insultava: “diga-me quais são os jogadores de seu time e as posições de cada um em campo.” Eu sabia de alguns, e ele dizia: “que vergonha!” Aí ele citava cada jogador de meu time e a posição que jogava. Não era só com meu time não, era com o São Paulo, Palmeiras, Atlético, Cruzeiro(ele é mineiro de Guaxupé) quem sabe até do Ferroviária de Araraquara, do São Bento, etc. Inteligente, foi selecionado para trabalhar com os computadores recém adquiridos pela empresa. O departamento dos gênios. Aí ele tirou o avental sujo de pó e trocou pelo terno e gravata.

Wilson foi trabalhar diretamente com o seu Hélio e o Paulinho assumiu a chefia da seção de amostras. Quando o Paulinho foi para a área de processamento de dados eu fiquei no lugar dele.
As meninas continuavam a nos visitar. Como havia uma máquina xerox, que o Dr. Ênio, economista, que usava óculos fundo de garrafa, pronunciava “zerox”, elas arrumavam um motivo para irem a nossa seção e tirar cópias de documentos. Quem operava a máquina era o Jair, ainda menor de idade, filho de um faxineiro da empresa.

Débora era secretária do departamento e tinha uma auxiliar que era a Verinha. Verinha estava noiva e bem pertinho de se casar e me ligava pelo telefone interno me pedindo alguns conselhos, já que ela julgava que eu tinha experiência com mulheres, por eu ter mais idade que ela. Eu dizia brincando que só havia uma forma: “nós praticarmos antes!” Mas ríamos tanto, tanto! Evidente que era brincadeira, era em nosso intervalo do almoço; respeitava muito a Verinha, como todas as outras colegas.
Fui convidado certa vez para almoçar na casa da Débora em Carapicuíba, sua mãe era mineira, cozinhava muito bem. Conversamos, muito durante e após o almoço de tutu de feijão e frango com quiabo, bem temperados, uma delícia! E a mãe dela mostrara-se que seria uma boa sogra. Embora eu gostasse muito da Débora, não rolou.

Mais tarde surgiu uma menina moreninha, magrinha, de olhos grandes, muito bonita, inteligente, de saia cinza um pouco acima dos joelhos, cintura de pilão, camisa de mangas compridas, que trabalhava no contas a pagar. Ela achava que eu era italiano porque algumas das colegas chamavam-me de Toni. Ela me nocauteou, e casamos.

Um período bom foi na época da feira anual de utilidades domésticos(UD), que era realizada no Ibirapuera. A empresa tinha um stand lá e era uma boa oportunidade para ganhar um pouco mais, com horas extras, almoço, jantar. Havia também muitas meninas que trabalhavam em outros stands que nos davam, lanche, presentes e paquera. Uma das músicas que ouvi muitas vezes em um stand próximo ao nosso foi “Poor Side of Town” de Johnny Revers, de um stand de aparelhos de som.
Outra pessoa que trabalhava no departamento de propaganda era o Oswaldo. Muito inteligente, sabia muito sobre o mundo artístico e literário. Era uma grande sorte ter um colega assim, aprendíamos muito com ele; principalmente nas rodadas de cerveja às sextas feiras, após o expediente. Falávamos de tudo: de política, literatura, música, cinema, etc.
Essa turma era muito entrosada. Encontrava-nos nos fins de semana para jogar bola, beber cerveja com rã frita na Vila Mariana; conhecíamos as famílias deles todos; não era raro almoçarmos na casa deles.


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