Os Jogadores da Praça
Os Jogadores da Praça
Os
bairros de São Paulo, devido suas dimensões, têm vida própria,
como se fossem cidades distintas do todo, que compõe a Capital. Lapa,
Pinheiros, Moema, Higienópolis, Tatuapé, Casa Verde, Moóca,
Morumbi, Santo Amaro (este último já fora cidade independente,
incorporado a Capital em 1935), etc. São alguns exemplos de
“cidades”. Por vezes ver-se em praças, nesses bairros, com
freqüência mal cuidadas, pessoas sentadas em bancos, aposentados
jogando dama, truco, em mesas improvisadas.
Em
uma dessas praças, em um desses bairros, quatro freqüentadores
assíduos, estão jogando dama em uma mesa quadrada e de pernas
instáveis: Alberto, falador, de ascendência italiana, que toca um
negócio de banca de jornal, com pouco movimento (“por causa da
internet”, ele diz). Tem boa voz e de vez em quando canta alto “La
Traviata” de Giuseppe Verdi; Juvêncio, motorista de táxi, que tem
ponto fixo ali mesmo na praça, cuja reclamação recorrente é de
uma empresa de aplicativos, acusando-a de concorrência desleal;
Wilson, aposentado e bom no jogo de truco, é o único que vem à
praça para não ficar em casa no sofá em frente a TV e ouvindo
reclamações da esposa; e Sebastião, também aposentado, mas que
faz alguns bicos de encanador e de eletricista, que esses amigos de
jogos o chamam de marido de aluguel. Todos com idades avançadas,
beirando ou acima dos setenta anos.
No
outro lado da rua, há uma padaria onde eles se abastecem de café e
pão com manteiga na chapa, logo cedo; também onde, o Alberto e o
Sebastião encomendam marmitex, para o almoço.
Hoje
Alberto e Sebastião jogam dama; só ouve-se o barulho das fichas
colocadas sobre o tabuleiro e a reclamação do Alberto, que desta
vez está em desvantagem, perdendo o jogo; e o riso irônico de
satisfação de Sebastião. “Mas é assim a vida”, disse
Sebastião. “Além de tudo o time dele perdeu para um
insignificante time, da segunda divisão”. Alberto não queria nem
ouvir isto, mas quando o Corinthians perde, o Alberto não perdoa,
principalmente se a derrota for para o time dele, o Palmeiras. “Aí
sim, o Alberto é insuportável” diz Sebastião. “Quando isto
acontece eu evito falar com ele, mas ele fica me procurando”,
completou.
O
serviço que apareceu para o Sebastião hoje foi a troca de
resistência de um chuveiro, nada mais.
Juvêncio
não apareceu na praça hoje, ainda. No dia seguinte ele disse que
fora levar um executivo para o aeroporto de Cumbica, que fora para os
Estados Unidos, portando um laptop cheio de informações importantes
para uma reunião na matriz da empresa que ele trabalha, na unidade
do Brasil. Os ladrões, em uma moto, forçaram a parada do táxi, na
Rodovia Ayrton Senna, armados, tomaram o computador do passageiro, e
em um átimo foram embora. O que salvou um pouco a vida do passageiro
foi que ele transmitira as informações, objeto da reunião, para
seu chefe em Miami, antes de sair do escritório.
Alberto,
devido sua atividade na banca de revista, era quem primeiro chegava à
praça, às seis da manhã já estava por lá. Nessa manhã, no
entanto, não conseguiu abrir a banca de imediato, pois uma viatura
da polícia e outra do IML estavam recolhendo o corpo de um morador
de rua, conhecido dele, dos amigos e dos vizinhos da praça, que
morrera à noite, devido as baixas temperaturas deste inverno.
A
dona Rita que mora em um sobrado, há muitos anos, no outro lado da
rua, desde os anos setenta, quando casara, disse em entrevista aos
repórteres de TV que alí era um local muito tranquilo, mas hoje em
dia aparece todo tipo de problema.
Aquela
praça às vezes é o microcosmo do que acontece nesta grande cidade.
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