Cinco Minutos


Cinco Minutos
Ewerton entrou apressado na estação do metrô Clínicas em São Paulo, passou pela catraca, desceu a escada rolante pelo lado esquerdo, correndo escada a baixo em direção a plataforma. Havia poucas pessoas aguardando o próximo trem, pois o anterior passara fazia poucos segundos. Esforçara-se ao máximo para ir naquele trem que passou, apesar de que o próximo passaria rápido, em torno de cinco minutos. Estava trabalhando em uma empresa há quase três meses e fazia tudo para não se atrasar. Vinte e cinco anos de idade, no último ano na faculdade de economia. Tem boa presença, veste-se de acordo com o que considera bom senso, com simplicidade e discrição. Porte físico atlético, conseqüência de muitos anos de prática de basquete; alto, ombros largos, como a maioria dos que praticam esse tipo de esporte. Cabelos pretos, lisos, bem aparados; barba cerrada de uns dois dias por fazer. É leitor voraz de literatura, sua mochila sempre tem um livro, fora o que ele ler no kindle, embora prefira mais do livro em papel.
Neste momento chega uma moça alta, cabelos penteados com um rabo de cavalo, que balança graciosamente sobre seus ombros, à medida que move a cabeça de um lado para o outro; mochila presa às costas, sobre um "pullover" amarelo de malha fina, por baixo do "pullover" uma camiseta branca de mangas compridas, posto que era meados do outono. Usa calças jeans rasgada nos joelhos e uns rasgos discretos realçando as coxas morenas; quando a calça desce pelas pernas compridas e encontra o tênis preto, o tecido desfia um pouco sobre os calcanhares. É muito bonita, aparenta ter uns vinte e poucos anos. Deve trabalhar em algum escritório na Avenida Paulista e estudar em um curso universitário noturno. Devia carregar em sua mochila uma calça mais discreta, para trocar, antes de começar a trabalhar, pois o pessoal da Paulista usa roupa mais clássica.
Ewerton nunca a tinha visto na estação, e ele estava lá todos os dias úteis da semana, às sete e trinta. Ele ficou encantado com a moça, de tanto olhar pra ela por certo ela já desconfiara. Desconfiara sim, porque é vaidosa e percebia pelo canto do olho o olhar insistente do rapaz. Ele pensava em ir até ela, uns três metros de distância separavam os dois, falaria com ela; o que diria a moça? O que perguntaria ou afirmaria? Ficou pensando como era difícil se aproximar e começar uma conversa que não fosse as conversas usuais iniciais, sobre o tempo, atraso do metrô, etc.


(Os tempos mudaram muito, desde cedo ouvia as histórias que seu pai  contava, quando não havia o chamado politicamente correto; dizia que uma boa maneira de iniciar uma conversa com uma garota era ir a um baile e e convidá-la para dançar. Convidava a garota e logo vinha em mente perguntar seu nome, se estava gostando do baile, dizia que o vestido dela era muito bonito, se tinha namorado, e a conversa se iniciava assim meio inocente).


Hoje o homem parece ter receio de se aproximar da mulher; o contrário também pode ser verdade, mas o homem está ressabiado, ressentido, não sabe até aonde deve ir, os limites não são claros, tampouco matemáticos, tiraram-lhe um pedaço do macho; também falta à mulher um pedaço da fêmea. Os homens estão se afeminando e as mulheres se masculinizando, Ewerton ouvira alguém dizer. Mas o sentimento, a paixão e o tesão ninguém pode tirar, mesmo à custa de tortura. Em "O Conto da Áia" Margaret Atwood diz que a mulher e o homem fazem sexo só para reproduzir, o amor é um sentimento diminuído, naquele tipo de sociedade teocrática e totalitária, retratada por ela. George Orwell, em seu romance "1984", em uma sociedade também totalitária, os personagens marcam encontros e fazem sexo escondidos das câmeras vigilantes do Grande Irmão.Tudo isso Ewerton já lera e tinha ciência, mas concluía que apesar de todas restrições, as pessoas sempre encontram uma forma de se amar, como a água que sempre encontra um caminho. Seria o politicamente correto um estágio inicial do totalitaismo? Assim Ewerton pensava, e o tempo passava. Daqui a pouco o trem chegaria e o que poderia acontecer? Provavelmente a perderia de vista. Voltaria a encontrá-la? O trem chegou. Todos entraram se esgueirando e a moça ficou meio escondida atrás de alguns passageiros; como era alta dava para ver parte de seu belo rosto. Poucos minutos depois dirigiu-se a porta direita para desembarcar na Estação Trianon. Desembarcou. Ewerton não pestanejava para não perder nenhum momento, tinha esperança de reencontrá-la. Um rapaz, de braços abertos, a recebeu desembarcando, abraçou-a e beijou-a na boca e saíram andando, subindo as escadarias da estação; ela com a cabeça encostada no ombro dele, ele com o braço esquerdo sobre o ombro dela, em direção ao Parque Trianon.
Ewerton vai descer na Estação Brigadeiro. Desceu, incontinenti.
Frustrado, pensou que teve sorte de não ter falado com ela, teria passado um vexame. Ela iria dizer o que? Que o namorado estava esperando por ela? Como poderia se apaixonar em cinco minutos? Por que não posso? Disse ele para si, a ponto de bater repetidamente a cabeça em um poste; mas em vez disso, pegou um chiclete da mochila, ligou o fone de ouvidos no celular, saiu ouvindo rock, baixado em "streaming" do spotify....


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