A Foto

A Foto
Humberto chegara adiantado ao consultório de seu médico, um psiquiatra, conforme planejara; diferentemente de outras vezes quando marcava uma consulta, apareciam problemas de toda ordem em casa que o atrasava e já chegava ao médico tenso e com a pressão arterial alterada.
Chegando ao consultório, entregou seu cartão do seguro médico para a recepcionista. Ela pediu que ele aguardasse que seria o primeiro a ser atendido. Carregava dois livros na mochila, embora seja economista, reveza a leitura de dois livros herdados de sua mãe que era psicóloga, ambos de Eric Fromm: “A Arte de Amar” e “A Linguagem Esquecida.” Lera poucas páginas no metrô e continuou a ler mais algumas enquanto aguardava o médico. Este ligou para a recepcionista quando saiu de um hospital na Bela Vista(Bixiga), em direção a Vila Mariana, local do consultório, informando que estava no trânsito congestionado e que previa chegar atrasado meia hora.
Em uma pequena estante havia algumas revistas de capas e folhas dobradas e gastas, pelo intenso manuseio; mas decidiu pegar uma delas. Depois de folhear a procura de algum artigo que lhe interessasse, deteve-se algum tempo a olhar a foto de uma mulher cuja idade situava-se entre quarenta e cinco e cinquenta anos, segundo seus cálculos. Era uma mulher que não era linda, era bonita, aliás, muito bonita. Deparou-se com essa foto no meio da revista. Depois de tanto olhar para fotografia, ia descobrindo mais detalhes da beleza da mulher: nos olhos redondos e negros como jabuticaba; no rosto de cor moreno claro, de traços eslavos; nos cabelos negros que pendiam sobre sobre a testa; a boca que sorria levemente, como sorri a Mona Lisa. Queria aquela foto de qualquer jeito, por isto decidira ir ao toalete e levar consigo a revista. Chegando lá, destacou a página cuidadosamente, na linha da costura das folhas, dobrou-a e colocou-a dentro de um dos livros. Ao voltar já havia mais pessoas e teve que sentar-se em outra cadeira, perto da porta de entrada. Era uma porta de vidro jateado, de tal forma que não dava para identificar quem chegava. Resolveu retirar a foto que estava dentro do livro e colocou-a dentro de sua mochila. Devolveu a revista mutilada a estante.
A porta da entrada foi aberta pela recepcionista, para o acesso de um novo paciente, acionando um botão embaixo do balcão onde havia um computador, pastas e papeis. Humberto se espantou quando viu quem entrara: uma mulher alta, cor moreno claro e muito bonita; muito parecida com a mulher da foto. Era incrivelmente parecida. Ela entrou direto e foi falar com a recepcionista e sentou-se em uma cadeira próxima a dele. Depois de uns dez minutos, a recepcionista disse: “dona Martha, por favor, assine esta guia do convênio médico.” Ela levantou-se e dirigiu-se ao balcão, para assinar o papel. Humberto acompanhou todos movimentos da mulher, que agora sabia que chamava-se Martha.
Humberto é separado há dois anos, sua mulher o largara levando os dois filhos, devido a certos comportamentos estranhos, manias de perseguir e de dizer que era perseguido; apesar dos fortes remédios que toma, embora raro, tem recaídas. Ele tem a idade que estimara ter a mulher da foto. Pensava o que fazer para iniciar uma conversa com ela, tirar a foto da mochila para mostrar e perguntar se aquela foto era realmente dela.
Havia muitos pacientes esperando para serem atendidos, porque era uma clínica que havia médicos de várias especialidades. Por isto tornava-se mais difícil aproximar-se dela.
O médico do Humberto chegara mas ele não queria que fosse chamado, em um momento que ensaiava um flerte. Mas não teve outro jeito, o médico abriu a porta, como um cuco, e o chamou; foi atendido, no entanto, quando retornou à sala de espera a mulher já não estava mais lá, provavelmente estaria sendo atendida por seu médico ou já fora embora. Foi perguntar para recepcionista, mas ela disse que não sabia. Ele disse “mas a senhora a atendeu, chama-se Martha.” A recepcionista disse “não, não atendi nenhuma Martha hoje, o senhor não está enganado? Não seria outra pessoa?” Ele disse não, tenho certeza, tenho até uma foto dela aqui em minha mochila. Retirou e mostrou a folha para a atendente, sem olhar. Ela disse: “senhor, nesta folha há um texto, não há nenhuma foto.”
Ele tomou a folha de volta, olhou e continuou a ver a foto da mulher; além disso, havia o nome da modelo, em letras bem pequenas na parte direita no final da página e o nome impresso era Martha Lavótnavich.
Saiu do consultório, foi até ao elevador em passos rápidos e desceu até ao andar térreo. Saiu do prédio e viu a mulher, de costas, andando a passos largos pela rua; saiu correndo, atravessou um cruzamento, (como fizera o doutor Jivago, no filme homônimo, ao ver a Lara em um bonde), gritando “Martha, Martha, mas ela sumia gradativamente até ele não mais vê-la. Ainda correndo, levou a mão ao peito e trôpego, caiu.
Tal como acontecera a Dr. Jivago, teve um infarte fulminante.



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