A Caixa d'água do Grupo Escolar Dr. Silva Mariz


A Caixa d'água do Grupo Escolar Dr. Silva Mariz
O que mais chamou-me à atenção naquele dia de visita a Mesopotâmia do Sertão(geograficamente centrada entre os Rios Piranhas e do Peixe), a Pedra Talhada ou por último Marizópolis, foi a caixa d'água do Grupo Escolar Dr. Silva Mariz. Eu era criança, beiradeira, vindo do Sítio Carnaúba, situado em outro município que era Antenor Navarro, e só havia estudado com professores particulares, entre eles o professor Olinto, que juntava um magote (coletivo que meu tio Toinho Alves gostava de usar) de crianças para ministrar aulas na sala da casa de dona Maria Patrício, a eterna confeiteira de sequilhos, ainda na Carnaúba; creio que o primeiro nome dele era Antonio, como o meu o é. Olhei para caixa d'água demoradamente e fiquei a imaginar se um dia eu estudaria ali; e minha fantasia me conduzira a concluir que aquela edificação era um “tamborete”, uma “cadeira” sem o espaldar, onde os alunos sentavam, vestidos de uniforme, com seus livros abertos lendo histórias que as crianças gostam. Aquele pensamento me levara a tal entusiasmo que me dera medo, mas era um medo bom de ter, como o medo de um primeiro amor, que ruma ao desconhecido mas que não queremos desistir. Junto as fundações da caixa d'água há uma grande cisterna, com uma abertura de mais ou menos um metro quadrado coberta com uma tampa de madeira, no mesmo formato. Mais tarde é que eu descobriria esse detalhe e outros mais, após me matricular no primeiro ano do primário. Olhava a água fresca que cintilava com os raios do sol, com cheiro de água presa. Aprendi com as outras crianças veteranas que ao gritarmos, com a tampa um pouco aberta, o grito provocava um eco. E era assim que muitas vezes despendíamos parte do tempo de nosso recreio.
A área do grupo escolar ainda é toda murada e a caixa d'água fica na parte de trás do prédio, quase no meio do, digamos, quintal. Ela foi testemunha inerte de todo crescimento da cidade porque era alta, parecia que vigiava tudo, e era vista de muitos pontos. Acompanhou o desmate da mata de marmeleiro, mofumbal e juremal, que havia atrás e nas laterais do muro; a matança de gado bovino, caprino, ovino, suíno, para o açougue, que mais tarde se aproximaria mais dela. Até morte dentro da mata, aconteceu e ela presenciou. Certa vez em um dia chuvoso, testemunhou passivamente um cadáver que fora esfaqueado, que passara do ponto, transportado numa maca improvisada, em uma escada onde uma rede amarrada serviu de apoio ao “de cujus”, e com esta fora enterrado em terra nua, às pressas.
Pois é, o grupo escolar se apresentou a mim dessa forma, através de uma “mensageira”, como uma alma que me trouxera um recado, que fora a caixa d'água.
Como nem sempre a realidade coincide exatamente com nossos sonhos, o que passou nos anos que estive lá naquela escola foi diferente, e tinha de ser; mas foram muito bons.
Toda vez que volto a Marizópolis, nunca deixo de olhar para a caixa d'agua e repassar mentalmente tudo que pensei dela; de entrar nas dependências daquela escola tão importante para nós todos.




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