O Casal de idosos

Há alguns dias que o casal de idosos não passava caminhando aqui na rua. Agora o acompanho pela janela; as janelas nesse período de reclusão, de vida monástica, são nossas câmeras de filmar. Ele alto e magro, deve estar acima dos setenta, ou pertinho dos oitenta, dado que gente magra engana um pouco a idade; de boné, e um bom molejo nas pernas, que parece deslizar sobre o asfalto; ela é robusta, cabeça à altura dos ombro dele, também de boné, com a alça de ajuste prendendo os cabelos castanhos para trás, feito um rabo de cavalo.
É uma casal simpático que mora na rua de cima, em uma casa espaçosa, de quem a construiu para criar muitos filhos; imagino que agora a casa seja grande para os dois, já que os filhos estão cuidando das próprias vidas, como deve ser. Ele me cumprimenta, ela não; acho que ela pensa: ele já o cumprimentou, é suficiente.
Certo dia, na época da produção das amoreiras, parei em frente a casa deles onde há uma frondosa árvore, cheia de ramas, que escorrem como lágrimas de fogos, que produz frutos pretinhos, grandes e doces para que quiser comer. Como ando muito nas ruas deste condomínio, sei onde há os pés de plantas frutíferas e aproveito o máximo que posso, são abacateiros, goiabeiras, mangueiras, araçazeiros, etc.
Como dizia, parei em frente a casa do andarilho cuja graça não sei. Enquanto pegava alguns frutos, o vi de soslaio; estava em pé a cerca de dois metros me observando, eu não notara sua aproximação e roubava os frutos como quando era moleque em Marizópolis.
Ele disse: gosta de amoras?
Eu disse que sim, e acrescentei que aquelas eram as maiores e mais doces do condomínio.
Ele disse: foi meu filho que plantou, ela toma muito espaço na calçada e parte da rua, acho que incomoda as pessoas.
Ele continuou dizendo que raramente pegava alguma pra comer.
Eu respondi que não, que as pessoas gostavam, não só os moradores mas também as pessoas que prestavam serviços por aqui.
Encerrado a curta conversa, saí comendo as amoras colhidas.
Na semana seguinte, passei e olhei a amoreira, ele havia podado a árvore em plena produção, é como se fizesse um aborto. Mas essa espécie de planta cresce, se recompõe rapidamente no período das chuvas. Logo ela estava refeita até, quem sabe, a próxima poda.
 

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