Pai Tonho

Pai Tonho

Aquele dia que visitamos o meu avô paterno, Pai Tonho (como nós netos o tratávamos), na década de setenta, eu sentira que seria a última vez que o veria; éramos recém casados: minha mulher e eu.
Ele era viúvo, minha avó Mãe Iaiá(também, nós netos a tratávamos de mãe), havia falecido há poucos anos.
Ele estava sentado em sua rede de tecido xadrez de várias cores vivas. Os mesmos cabelos brancos, ralos, deitavam sobre a cabeça; rosto de muitas dobras e rugas; mãos que exibiam, como documentos, as provas de longevidade e muito trabalho pesado.
Estava com mais de noventa anos e enfrentava os duros efeitos de um diabetes tipo dois e da demência ou caduquice, em uma época que não havia muitos remédios, e os médicos que raramente o atendiam, porque morava em um sítio longe dos centros urbanos, apesar de bons, eram clínicos gerais.
Ele perguntou para minha tia Mimosa: "quem é?"
Ela respondeu "é Genival" É por este nome que sou conhecido naquelas bandas do sertão paraibano. E, segundo contam, ele próprio me registrara em cartório de Antenor Navarro, com o seu nome de Antonio, o sobrenome Lins de minha mãe e o "dos Santos" dele mesmo; não observou o Simão de Sá de meu pai.
Ele indagou minha tia: "Genival?!" Fazia uns cinco anos que não nos víamos, depois que eu decidira viver em São Paulo.
Ela disse "sim" e olhou pra nós alertando em voz baixa: "ele não está nem ouvindo nem enxergando direito."
Embora estivesse vendo sua situação de saúde e as informações que me anteciparam, eu perguntei: "e o senhor, como é que está?"
Ele respondeu: "como Deus quer." Era um homem religioso, da igreja Batista. Lembrei-me das muitas vezes que criticara os padres da igreja católica: "não confio em homem que veste saia."
Considerava a batina uma saia, por mais que disséssemos que os padres vestiam calças por baixo. Por causa disso meu pai, católico, o chamava de "bode velho", porque naquela época chamavam os protestantes de bode. Jorge Amado faz menção a esse costume. Minha mãe, com toda razão, não gostava.
Àquela altura eu estava com vinte e sete anos. Ele me perguntou: "Genival, você já se aposentou?" Todos nós rimos um pouco, porque eu ainda teria muito que trabalhar, tinha a vida inteira pela frente!
Eu respondi: "Não Pai Tonho, ainda não tenho idade para me aposentar." Ele disse: "eu me aposentei." Para ele e muitos agricultores a aposentadoria era uma boa novidade, um reconhecimento para quem trabalhara a vida toda na agricultura e quando impossibilitado de trabalhar, não tinha nenhum seguro.
Maioria aposentada sem ter pago um tostão para Previdência Social. Era justo, mas era um rombo ao Tesouro que teria que ser coberto, e pronto.

Como eu previra, na vez seguinte que viajei para aquelas terras, ele já não estava mais por lá.
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