Elisabete

Elisabete

Algo estranho acontecera a Elisabete naquela manhã de sábado, às seis horas. Ela acordara e levantara-se rápido, ouvira algumas pessoas conversando, no entorno um silêncio profundo, ouvia-se apenas barulho de talheres, louças, xícaras, pires. Ela abriu uma parte da cortina e da janela de seu quarto em um prédio de três andares, em um condomínio de prédios padronizados, e olhou para baixo.

Estava frio e ventando bastante em meados do outono; no entanto, havia três homens sentados a uma grande mesa de madeira, coberta por uma toalha branca rendada, sobre um gramado bem cuidado, vestidos de ternos pretos e gravatas brancas; no meio deles um rapaz vestia-se um pouco diferente dos demais, era também um terno preto, contudo a camisa era branca e gravata rosa; na lapela uma rosa champanhe. Comiam rapidamente, de cabeças baixas, olhando para os pratos, como se tivessem pouco tempo ou estivessem famintos.

Os três homens estavam de costas para ela que olhava da janela, sendo que a moça e o rapaz estavam de frente. A moça vestia um vestido semelhante ao que ela comprara para seu casamento dali a três meses, e o buquê de flores desidratado, colocado no centro da mesa; o buquê que seria arremessado para trás, para suas amigas ansiosas por casarem-se. Em torno da mesa quatro urnas funerárias, concluíra que era uma para cada homem; para a moça não havia, visivelmente, nenhuma. Todos os cavalheiros conversavam entre si mas a moça parecia não entender nada do que falavam.

Na semana anterior Elisabete saíra com uma amiga para comprar um vestido de noiva, em uma loja na Rua São Caetano, no centro de São Paulo. O vestido que escolhera era o que, tudo indicava, a moça vestia sentada a mesa naquele momento. Da janela tentou comunicar-se com acenos para eles, mas ninguém respondeu, tampouco viraram-se para olhá-la, somente a moça olhava fixamente para a janela.

Com ajuda de um binóculo viu que a moça parecia pálida e com o contorno dos olhos roxos. Resolveu vestir-se e descer de elevador, para tentar entender aquilo que passava-se à sua frente e que não encontrava explicação. Chegando ao Lobby, vira o zelador. Perguntou se ele vira aquelas pessoas, inclusive seu noivo, e descreveu rapidamente a cena. O zelador continuou seu trabalho e não ouvira o relato que Elisabete fizera. Ela ficou intrigada e decidiu ir ao local, porém, quando chegou lá ninguém encontrou; nem a moça vestida com seu suposto vestido de noiva. Retornou ao apartamento e tentou falar com seus pais, mas eles não ouviram-na, por mais esforços que ela fizesse, contudo choravam muito.
Voltou ao seu quarto, ligou a TV e viu o noticiário de um acidente que acontecera na madrugada do sábado, mostrava o local onde um casal de jovens havia morrido, os outros três homens que estavam sentados a mesa foram os que morreram naquele mesmo acidente, quando trafegavam em uma van que, na contramão,  colidira de frente com o automóvel que ela e o noivo ocupavam.

Voltou a procurar seus pais mas não os encontrou; haviam saído. Estava chovendo uma chuva fina e fria, quase garoa. Em seguida viu-se, inexplicavelmente, em uma grande sala, junto aos pais, familiares e amigos; em pé olhou-se como se olha em um espelho, espantada, incrédula. Conferiu seu corpo imóvel, sua face pálida, seu vestido de noiva, seu buquê preso a seus dedos.

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