“Assustados”

“Assustados”
Estava pensando em escrever sobre a geração que começou os “assustados” em Marizópolis, sem citar nomes daquelas pessoas, embora me lembre o nome de muita gente, contudo, há sempre o risco de esquecer alguém, que poderia sentir-se excluído, injustiçado; e não é nada bom isto acontecer. Mas foi nossa geração jovem dos anos sessenta que começou, copiando o que havia em Sousa e Cajazeiras, para não irmos muito longe. É bom dizer que na Vila havia pessoas que vieram de João Pessoa para morar em Marizópolis e seus filhos juntaram-se a nós.
Ouvíamos rádios do Rio, Recife e São Paulo, que tocavam as músicas que nós gostávamos, que eram músicas novas, diferentes: o Rock n' Roll, o Twist, as Baladas, sem falar nas Big Bands: Billy Vauhan, Ray Conniff, Glen Miller; Elvis Presley, Chubb Checker, Cely Campelo e seu irmão Tony, Paul Anka, Carlos Gonzaga, Demétrius, Roberto Carlos, etc, etecétera, eram nossos heróis.
A certa altura dos anos sessenta, Já havia The Beatles e The Rolling Stones mas nós não tínhamos acesso a estas bandas, ainda estavam na distante Inglaterra. Havia também The Platers, Pat Boone, com aquelas lindas baladas("Only You," "Smoke Gets in Your Eyes," "Speed Gonzalez," etc); às vezes em casa de alguém em Sousa e Cajazeiras, ouvíamos essas músicas e dançávamos até.
Quando terminávamos os estudos no Grupo Escolar Dr. Silva Mariz, quem queria e podia continuar, tinha que sair de Marizópolis para cidades próximas. E esses estudantes quando voltavam, nas férias ou nos fins de semanas, traziam novidades desses lugares; que devido as condições das estradas, com a mesma quilometragem de hoje, eram “distantes” devido aos buracos, barro que atolava os carros.
Havia em nossa vizinha Vila de São Gonçalo uma casta de agrônomos, técnicos agrícolas, que se achavam acima dos mortais, tinham bons salários, eram bem informados, estudados, viajados, também invejados, que contribuíram com o “broadcast” (difusão) das mudanças, lá e em Marizópolis. A Rua 16 era bonita, arborizada, habitada por esses funcionários importantes. São Gonçalo tinha cinema, clube, piscina; vida cultural, portanto.
Àquela época despertou no jovem a necessidade de ganhar o mundo em busca de ginásios, colégios, escolas agrícolas no Ceará e Rio Grande do Norte, e emprego para pagar os estudos. Era mudança no pensar, não só na forma de se comportar, no vestir e cuidar ou não cuidar dos cabelos, mas era de atitude que os ventos das mudanças sugeriam, o "cheiro da nova estação" como diria mais tarde Belchior. Não podíamos deixar o “cavalo encilhado” passar a nossa frente sem que montássemos nele, como dizem os gaúchos: “cavalo encilhado, não passa duas vezes.”
Essa geração, responsável pelo movimento, dos “assustados”, está espalhada pelo Brasil; os vivos e os mortos. Foi um movimento muito importante porque nos abriu horizontes, foi um passaporte e um plano de voo.
Àquelas reuniões improvisadas de jovens, com a finalidade de dançar, dava-se o nome de "assustado". Não havia muito planejamento, digamos, com muita antecipação. O principal era encontrar um local, normalmente uma casa, que os donos estivessem dispostos a cederem a sala para realizarmos os bailhinhos. Muitas vezes as vitrolas eram dos próprios donos da casa.
Nós fazíamos o que nunca antes tinha sido feito na saudosa vila de Marizópolis, as danças, as roupas copiadas de revistas (O Cruzeiro, Fatos & Fotos, Sétimo Céu) e encomendadas às costureiras, às nossas mães que trabalhavam tanto quanto artesãs.
O jeito de pentear o cabelo, o andar (tinha gente que imitava o andar, o vestir e o cabelo de Elvis!), eram costumes novos. Era comum nos acharem meio esquisitos, até duvidavam de nossa masculinidade, quando balançávamos os traseiros dançando o Twist. Mas com o inevitável girar da Terra em torno do Sol, fez passar, como tudo passa; as pessoas começavam a nos entender, pois as rádios da região já tocavam aquelas músicas embora os samba-canções, os baiões, os boleros, os xotes, os Nelson Gonçalves, os Orlando Dias, os Adilson Ramos, os Luiz Gonzaga, ainda pesassem na escolha da maioria das pessoas.
Os assustados não surgiram como um movimento político, dado que não tinham ações políticas, pode-se até dizer que era ingênuo; era diversão de adolescentes em busca de socialização e de namoro.
E por último, quando tudo acabava, eu ia pra casa, ainda cedo; em torno das 22:00. As músicas insistiam em soar em meus ouvidos, e me deitava em busca do sono que tardava chegar. Um sentimento forte de insegurança, de incerteza, de frio na barriga, de aperto no peito, face ao futuro, me atingia em cheio, como a bala que acerta a mosca no alvo.

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