“Seu Varte”
“Seu
Varte”
O
ano era 1967. Um ex-colega de classe do Colégio Comercial Riachuelo,
convidara-me para dividir um quarto com ele, num apartamento em um
prédio construído, aparentemente, nos anos quarenta e poucos. Era
um prédio que tinha um único andar, acima do térreo, na Rua dos
Italianos, esquina com a Rua Silva Pinto, no Bom Retiro, em São
Paulo. Esse ex-colega, hoje médico e amigo, já morava lá. Os donos
do apartamento, eram dois idosos(na época, velhos): seu Eduardo e
dona Iná. A dona Iná tratava meu ex-colega, Walter, por “seu
Varte”. Ela dava mais atenção a ele e o tratava como responsável
por minha admissão como inquilino. Qualquer observação sobre meu
comportamento e disciplina, era o “seu Varte” que me transmitia
as mensagens dela. Por exemplo: ela me pegava no pé,
“indiretamente”, sobre as descargas do vaso sanitário; achava
que eu esquecia de acionar a descarga quando fazia xixi, ou então os
cuidados que eu deveria ter com a válvula que regulava a temperatura
do chuveiro, que era a gás. A partir de meu conhecimento daquelas
advertências eu me corrigia. Eu tinha vinte e um anos e o Walter,
mais novo que eu; não me lembro quantos anos. Pelo fato de eu ser
nordestino, há pouco mais de um ano em São Paulo, a dona Iná
entendia que eu não era civilizado, era um matuto do interior da
Paraíba, embora eu já tivesse morado em uma cidade grande que fora
em Recife. O marido de dona Iná, seu
Eduardo, era um senhor muito educado, um gentleman, enquanto
ela era uma caipirona de um sotaque bem interiorano, tinha um jeitão
meio de portuguesa, no corpo, e até notava-se um pequeno bigode. Seu
Eduardo quase sempre tinha um jornal em mãos, enquanto ela ouvia as
fofocas no rádio e na TV branco e preto. Com o tempo furei o
bloqueio e comecei a conversar mais com ela. Ela começou a contar
algumas histórias e foi ganhando confiança em mim. Às vezes falava
cochichando e pedia que eu guardasse segredo. Passei muitas vezes
pelo corredor, antes de entrar no quarto, sem fazer barulho, para ela
não me ver, porque a conversa demorava.
O
Bom Retiro, onde fica o endereço acima, era um bairro comercial.
Ruas cheias de lojas e indústrias têxteis, de propriedade de judeus
e árabes; os chineses quase acabaram com essas atividades. Era um
bairro tranqüilo, principalmente aos Domingos, de um silêncio que
beirava o de um sepulcro. Não ouvia-se falar em assaltante mas sim
em ladrão, o que aos dias de hoje, era quase inofensivo, até
romântico. Podia-se andar por suas ruas de madrugada, sem nenhuma
conseqüência desastrosa.
Costumava
ver o seu Eduardo, saindo do quarto, entrando no corredor, em direção
a cozinha, de roupão sobre o pijamas; dona Iná também de pijamas e
uma malha sobre os ombros, já havia preparado o café da manhã.
Desinformada
sobre o Nordeste, dona Iná, com freqüência me perguntava: “lá
em sua terra tem isso?” Ou então, “como fazem isso lá?”
O
seu Eduardo raramente perguntava, fazia comentários e afirmações:
“li no jornal que a seca está muito forte este ano, em seu
Estado.”
O
quarto tinha duas camas, um armário para guardar nossas roupas e uma
janela tipo guilhotina, que debruçava-se sobre as duas ruas.
Aos
Domingos a tarde torcíamos para sermos convidados para ver o
programa “Jovem Guarda”, na casa de um colega de classe, na mesma
Rua dos Italianos, o Millan Weiss, filho de imigrantes do Leste europeu. Além de vermos o show, a mãe dele
preparava um bom lanche para nós.
Depois
desse endereço, mudamos para um apartamento, em um prédio de uns
quatro andares, na própria a Rua Silva Pinto; daquela citada janela
nós víamos o prédio a esquerda. Mas aí é outra história.
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