Desejo de Ano Novo
Desejo
de Ano Novo
Arnaldo,
fizera setenta anos em junho, casado há menos de quarenta com a
mesma mulher, dona Margarete, mulher que muito ama, que é mais nova
cinco anos que ele. Não fez promessas neste Ano Novo: não vai fazer
regime para emagrecer e nem aquele curso on line que
planejara; tem
apenas um desejo imaterial, intangível: rever Leonor, um antigo amor
da adolescência; não quer ser exigente, poderia até mesmo ser em
um sonho.
Por
que essa curiosidade, essa vontade forte de rever Leonor? Após esse
tempo todo, após décadas, depois de filhos e netos feitos, é
loucura; pode ser pelo entusiasmo do ano que finda e pelo raiar do
outro, pelos novos tempos diferentes e bons que virão, como dizem os
otimistas, ou então porque ficou alguma coisa por quitar com ela,
alguma coisa não resolvida, algum mau entendido, como um desejo de
uma alma penada. Mas é insistente, como o pensamento que vai e
volta, esse desejo dele. Pode ser até que ele use um disfarce em uma
esquina, para esperar e vê-la passar. Ele de óculos escuros, de
boné que cobriria parcialmente os olhos, como se fosse um detetive,
daqueles pagos para descobrir mulheres ou homens infiéis; posto na
esquina, de braços cruzados, imóvel, com todos disfarces que
pensou, ninguém o reconheceria, nem mesmo Leonor. Mas como ver
Leonor e não ouvir a sua voz? Os desejos são elásticos. “Já
sei,” ele pensou: “quando Leonor passar, me aproximarei dela e
lhe farei uma pergunta, como se eu estivesse perdido, procurando um
endereço; isto mesmo, é um plano que tende a dar certo,” disse
pensando alto. “Mas e se Leonor me reconhecer, perguntou para si.
Ora, seria o melhor dos mundos, respondeu a si mesmo.” Arnaldo
continuou, “eu colocaria o dedo indicador nos lábios, como fazem
as crianças, quando brincam e pedem silêncio; com efeito, elas
sempre nos ensinam. Nesse átimo eu poderia olhar os olhos de Leonor,
que tenho uma vaga lembrança da cor, apagada pelos tempos; sua face
que data os anos, mas com certeza permanece bela, porém com a mesma
arquitetura imutável, reconhecível, inconfundível. Eu mostraria
minha face, com rugas verticais e olhos embolsados, barba branca por
fazer, como parte de meu disfarce.”
Ele
até escrevera uns versos para mostrar pra ela:
“Lá
atrás havia um sonho,
Por
algum motivo fútil fora desfeito;
As
mágoas, as alegrias, as tristezas suponho,
Tomaram
os espaços vazios de nossos peitos.
Peitos
onde nossos corações batiam,
Juntos
e ás vezes descompassados;
Nos
beijos, nos abraços, nas danças, onde haviam;
Motivos
de sobra para sonharmos abraçados.
Nossa
juventude inquieta e imatura,
Teimou
em nos separar;
Sem
pensar em cobranças futuras,
Que
nossas vidas insistem em mostrar.
Agora
esse tempo todo,
Às
vezes nos pega a lamentar;
Que
poderia ter sido de outro jeito,
Do
jeito que era nosso, só nosso, de nos amar;
Valendo-nos
do órgão que enche o lado esquerdo do peito,
Que
faz nosso sangue quente circular.
Uma
luz brilhou,
No
céu azul estrelado;
Como
fez com os três Reis Magos, nos guiou;
E
uma força maior pôs ele e ela, aos nossos lados:
Para
formarmos famílias distintas,
Amadas
e lindas!”
Na
manhã do dia primeiro de janeiro, Arnaldo e Margarete dormiram até
mais tarde por conta do jantar de comemorações da noite anterior.
Dona Margarete se assustou com os gritos abafados de Arnaldo, ainda
nos braços de Morfeu, chamando por Leonor. Dona Margarete quis saber
quem era essa tal de Leonor. Arnaldo, ainda se localizando no tempo
respondeu que lera uma matéria sobre a esposa de Adhemar de Barros,
que também tinha essa mesma graça, e acabou sonhando com ela. Dona
Margarete, como toda mulher, sabe que o homem se atrapalha quando tem
que inventar uma estória, digamos, uma mentira. Ela disse: “Arnaldo,
você não sabe nem mentir, eu sei que você teve uma namorada
chamada Leonor”. Ele disse: “Margarete, isso já faz muito
tempo!” Ela respondeu sem se convencer: “sei, sei.”
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