O Vendedor de Enciclopédias


O Vendedor de Enciclopédias

Havia um vendedor de enciclopédias, em meado dos anos setenta, nos tempos em que eu freqüentava a faculdade de ciências contábeis da Universidade Metropolitana de Guarulhos; era João, não me lembro seu sobrenome há essa distância de quase cinqüenta anos. Pode ser que até o final desta curta história eu me lembre. João tem (ou tinha, porque nunca mais tive o prazer de reencontrá-lo) menos de um metro e setenta de altura, caixa torácica larga, como a de um cantor de ópera; cabelos ralos penteados para cima do crânio, numa tentativa de disfarçar a calvice que se apressou em chegar; tez clara e em torno 40 anos. 

(Havia vendedores de livros naquela época os quais vendiam enciclopédias, dicionários mas não em livrarias. Era o caso de um senhor que se postava em frente à Universidade. De acentuado sotaque Português, não concorria com o João; vendia livros da área de direito, administração e economia, a prazo. Lembro-me que ele vendia coleções dos juristas Pontes de Miranda, Orlando Gomes; livros de Ruy Barbosa Nogueira, e os códigos; manuais de administração de Koonts & O'Donnel; manuais de economia, entre eles Paul Samuelson; História da Riqueza do Homem, de Leo Hubermann, etc. Podíamos também encomendar outros livros que ele trazia).

Era uma atividade dura, já naqueles tempos, principalmente para vender enciclopédias. João aproveitava os intervalos das aulas, hora do café na cantina, para vender livros aos colegas. João era um sujeito esperto, dado ao parlamento; falava bonito, com as palavras bem pronunciadas e acentuadas; ele dizia "verrrrrbetes", quando falava dos dicionários; parecia estar todo tempo em uma tribuna. Ele estava na mesma Universidade que eu, postulante ao curso de direito; postulante porque havia dois anos básicos que fazíamos juntos, para depois decidirmos qual curso iríamos fazer, qual profissão iríamos abraçar. Os alunos de direito, administração e contábeis faziam os dois anos na mesma sala. Caso quisessem fazer outro curso, após a graduação, na mesma Universidade, as matérias comuns serviam como créditos. Por exemplo, o aluno de contabilidade estudava Introdução a Ciência do Direito, Direito Trabalhista, Direito Tributário, Direito Civil, Direito Comercial, etc; o aluno de direito estudava Elementos de Economia, Matemática Financeira, Psicologia Aplicada a Administração, História Econômica, Contabilidade Introdutória, etc.
O estudo dessas matérias de direito me deu uma grande vantagem quando assumi a profissão de contador; e deve ter facilitado também a vida dos advogados, por terem estudado matérias da área contábil, de administração e de economia.

João, já mostrava que seria um bom advogado, com seus discursos recheados de superlativos. Era chegado aos superlativos quanto era José Dias, personagem de Machado de Assis em Dom Casmurro.

Minha aproximação com o João, muitas vezes, me poupava de enfrentar a espera de ônibus, para voltar a casa depois das dez ou onze horas da noite; ele sempre me oferecia carona em seu corcel.
Tenho a impressão que ele assinava João Alves de Carvalho, mas não tenho certeza.





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