Empréstimo
Empréstimo
Seu
Alfredo, aposentado, estava lendo o jornal matinal, devia ser em
torno das dez. O telefone fixo começou a tocar: uma, duas três
vezes. Ele decidiu levantar-se, ainda de pijamas, na boca um gosto de
café recém bebido. Percorreu o corredor até chegar ao escritório,
local onde estava o aparelho instalado. Nesse espaço de tempo
começou a imaginar quem estaria ligando: alguém da família; aquele
tipo de ligação que fica-se repetindo alô e ninguém responde; ou
então colocam alguém dizendo que é seu/sua filho/a, desesperado/a,
dizendo, com uma voz incrivelmente parecida com a dele/a, que fora
roubado/a, mas aí você percebe que não é verdade quando faz
algumas perguntas sem respostas confiáveis. Em umas dessas ligações
pediu para a sua mulher, em paralelo, pelo celular, ligar para o
filho para confirmar; aí descobriu com alívio que o filho estava em
casa às onze da noite.
Quando
chegou ao escritório, atendeu: “alô, alô,” ouviu uma voz
distante; não estava ouvindo direito. Em seguida a pessoa o
cumprimentou, se identificou, dizendo ser de uma instituição
financeira, falava sobre um tipo de empréstimo que poderia ser pago
em até trinta e seis vezes; seria debitado diretamente em seu
contra-cheque e as mil maravilhas que o seu Alfredo poderia obter
caso contraísse aquela dívida: para trocar de carro, trocar
aparelhos domésticos e até fazer a viagem dos sonhos. O seu Alfredo
contra-argumentava, sem conseguir completar as frases, porque a
pessoa não deixava que ele concluísse seu pensamento, insistia em
dizer que o empréstimo era de grande vantagem para ele, etc e tal.
Por fim o seu Alfredo disse, por cima do que a pessoa estava falando:
“não estou interessado nesse tipo de obrigação, sou
septuagenário, não quero deixar ônus para meus sucessores.
Obrigado, desculpe vou desligar.” Desligou. Voltou a ler o jornal e
sua mulher perguntou quem era. Ele respondeu que fora de um banco,
“sobre aquele tipo de empréstimo compulsório.” A dona Alice
disse: “Deus nos livre, lembro-me daquele empréstimo que fizemos,
que não víamos a hora de terminar, e quando finalmente acabou,
comemoramos com vinho e pizza. Os objetos comprados com o dinheiro,
naquela ocasião, começaram a apresentar defeitos, logo depois das
garantias, porque hoje em dia não se fazem mais nada para durar.
Quando você olha nas etiquetas dos produtos, todos feitos na China.
Por favor Alfredo, não vamos mais cair na conversa dessa gente,
porque quando eu atendo o telefone já despacho logo, não quero nem
ouvir as propostas, nem as explicações; você é muito educado, dar
chance para eles lhe convencer”. Seu Alfredo levantou a cabeça e
olhou para dona Alice, por cima dos óculos de leitura, com aquele
olhar que só uma longa convivência pode trazer, e disse: “não,
não vamos mais fazer isso, Alice.”
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