Bate e Volta para Santos
Bate e Volta para Santos
I
Os
dois bancos, um de frente para o outro pareciam assentos de trem, de
forma que as pessoas pudessem conversar olhando nos olhos das outras;
apesar de que hoje em dia estariam a olhar para as telas de seus
celulares, digitando textos. Mas não estavam em um trem, parecia
mais um utilitário adaptado; de qualquer forma também atendia aos
que estivessem sentado naqueles bancos, o desejo e a disposição de
conversarem.
Era
um sábado cedo, os dois casais, amigos de muito tempo, estavam
sentados nos bancos daquele veículo, em direção ao litoral, em um
fim de semana prolongado, cujo feriado caia na segunda feira.
Combinaram deixar os carros em casa e irem de carona para Santos,
pegar uma praia, passear um pouco, almoçar e voltar final da tarde.
É o chamado bate e volta.
Não
falavam, nem mexiam nos celulares. O homem de um casal e a mulher do
outro, esfregavam as mãos, suavam um suor frio, bocas secas, os
batimentos cardíacos incontroláveis e descompassados. Eles tinham
algo muito importante e complicado a dizer, algo a revelar, depois de
longo período de convivência, de amizade. Mas nenhum dos dois
tomava a iniciativa de externar o que sentiam. Era uma situação
difícil, era como uma represa que estava acima do limite de acumular
água, que por fim acabava por estourar e deixar a água seguir seu
curso.
Os casais, de um lado, eram Victor de 40 anos, alto, porte atlético, cabelos já exibindo alguns fios brancos, tez clara; Ester, sua mulher, 35 anos, loura artificial, de cabelos pintados, olhos castanhos, tinha o corpo bem cuidado, bonita.
Do
outro lado, Jonas, 41 anos, bigode de fios pretos que cobriam metade
do lábio superior, de pele morena, tipo indiano, estatura média;
Amanda, sua mulher, tinha a mesma idade de Ester, com diferença de
três meses; era loura de olhos verdes claros, muito bonita.
Uma coisa esses dois casais tinham em comum, não se entendiam; estavam sempre brigando, por motivos diversos, tais como um pegar da geladeira metade de uma fruta que o outro havia deixado ou então um não ajudava o outro na limpeza da casa; coisas fáceis de resolver quando não se é implicante.
Já
fazia algum tempo que Victor e Amanda trocavam olhares demorados e
profundos, e quando havia oportunidade de ficarem a sós, trocavam
palavras apressadas, externando suas intenções e ao mesmo tempo
carregarem um peso enorme, uma sensação desagradável de estarem
traindo seus pares. Era um segredo guardado à sete chaves, de tal
forma que Jonas e Ester não desconfiassem; mas como as mulheres são
muito astutas e dizem terem sexto sentido, devia haver, por mais
sutil que fosse, desconfiança de Ester. O mesmo não poderia se
dizer de Jonas, que vivia ocupado analisando os números contábeis e
financeiros da empresa onde trabalhava; pois esta começara a perder
mercado para os concorrentes e o balanço já mostrava prejuízo há
dois anos, causando queda no valor das ações na bolsa de valores,
gerando em conseqüência inquietações dos acionistas. Victor era
engenheiro e trabalhava em uma empresa da área de tecnologia da
informação, era um trabalho duro mas não tinha que se envolver com
problemas financeiros, era um trabalho técnico. As duas mulheres
também trabalhavam: Amanda, era secretária executiva; Ester,
trabalhava na área de pré-vendas; ambas em empresas
multinacionais.
Ambos
casais não tinham filhos, com efeito, havia discussões e estresses
por conta disto. Discutiam a possibilidade de adoção, mas era um
terreno movediço, que tinham que caminhar com muito cuidado, por
causa dos aspectos burocráticos e legais; àquela altura as
famílias, desejosas de netos, também, em menor escala, palpitavam,
tornando a situação ainda mais delicada. Victor e Amanda
acreditavam que se se juntassem, poderiam gerar filhos, e hoje eles
estavam decididos a tomar a decisão de se juntarem, e naquele dia
tinha que ser resolvido, para o bem ou para o mal. Os dois queriam se
juntar, não por uma questão de fazer filhos tão-somente, em
primeiro plano, eram apaixonados.
Por
que falar disto justo nesse momento, e não deixar para o retorno do
passeio? O mais lógico seria falar em outra ocasião, mas a barragem
não tem momento certo para estourar, basta ter excesso de água.
Victor
disse com a voz trêmula: "tenho um assunto muito delicado para
falar pra vocês, Jonas e Ester. Eu amo Amanda; eu e ela temos
guardado esse segredo há algum tempo." "Tanto eu quanto
ela, decidimos pedir separação; vamos contratar um advogado para
esse fim." Jonas olhou para Victor e para Amanda desapontado,
não sabia o que dizer; quem disse foi Ester: "Vocês acham que
me enganaram todo esse tempo? Eu desconfiava. Vocês não me
enganaram, não. Aquele dia que fomos comer pizza, percebi os olhares
da Amanda e de Victor, e até se cutucavam por baixo da mesa. Vou
propor que paremos em algum lugar, pois esse passeio não faz mais o
mínimo sentido pra mim, não acha isto Jonas?" Jonas não se
manifestou, sentia-se o pior dos viventes.
Por
que Victor e Amanda não conversaram antes com seus pares, em vez de
falar na presença de Carlos, embora amigo deles, não tinha nada a
ver com essa história? Em conversa privada, por telefone, Victor e
Amanda acharam que melhor seria assim como fora feito; de outra
forma, ficariam em discussões intermináveis dentro de suas casas, e
haveria envolvimento da família, o que pioraria a situação.
O
amigo deles, Carlos, que dirigia o utilitário, parou no acostamento
da estrada e disse: "gente, eu não devo me meter em um assunto
tão particular como este, mas pensem melhor, uma decisão dessa não
pode ser tomada de supetão." Jonas disse: "Carlos, não há
mais nada a fazer, Victor, que parecia ser meu amigo, acabou de dizer
que ama minha mulher, isso não tem mais retorno, não é de hoje, é
coisa antiga; só eu não sabia, como sempre acontece; Ester pelo
menos desconfiava". Victor e Amanda ficaram apreensivos, mas
calados. Ester chorava copiosamente, nem se arriscava a olhar para
Amanda, porque nesse momento só sentia ódio; por outro lado, a
vontade de Jonas era socar os dentes de Victor.
A
essa altura já não mais fazia sentido seguir para Santos. Carlos os
informou que ia retornar e pegou uma saída da Imigrantes, já a
altura de São Bernardo do Campo e foi até o centro daquela cidade.
Conforme combinaram, deixou os dois casais na frente de um shopping
center. Amanda e Ester voltaram para suas próprias casas; Vítor e
Jonas, foram para casa dos pais. Acomodações provisórias, enquanto
a poeira baixava, para tratarem das separações.
II
Não
houve comunicação entre eles antes da terça feira, que era dia
normal de trabalho, após o feriado. A única providência que
tomaram foi a de informar o acontecido para as famílias.
A
situação de Victor e de Amanda, perante as famílias, foi mais
complicado de explicar; eles foram os “traidores.” Os pais de
Amanda e de Victor não conseguiram entender por que uma situação
dessas se resolveu da forma como foi resolvida. Uma separação, como
se estivessem em um desses grupos de terapia de casais.
Para
Jonas e Ester, embora os pais tenham achado a situação incomum (não
propriamente pelas separações, mas como as decisões foram
tomadas), eles foram as vítimas, os “traídos”; aí pouco
tinha-se a dizer ou a fazer.
III
Os
primeiros a contatarem um advogado, informalmente, foram Victor e
Amanda, a título de consulta, para saberem as implicações, o que
deveriam fazer, porque passado esses dias estavam inseguros e
estressados. Por certo ela teria que contratar um advogado junto com
Jonas, seu ainda marido.
Todo
tratamento da separação oficial deveria ser feito com advogados
distintos. Um dos motivos era que eles evitavam se reencontrar; o
outro, era que os processos tinham características diferentes, com
relação aos bens adquiridos pelos casais.
Amanda
ligou para Jonas, pelo celular, para marcar um encontro, após o
expediente, em um restaurante. Marcaram para às 19:00 na Alameda
Santos, perto de onde Amanda trabalha. Jonas teve que se deslocar da
Avenida Faria Lima, onde estava situado seu escritório.
Os
dois chegaram ao restaurante, como se fossem duas pessoas que se
encontravam pela primeira vez, formais, sem muita conversa. Foram
para um local que tivesse privacidade.
Jonas
disse, enquanto procurava algum prato no cardápio: “fiz contato
por telefone com um advogado, indicado por um colega do escritório,
nunca o vi mais gordo ou mais magro, o que eu quero é resolver esse
problema o mais rápido que puder.” Amanda disse: “desculpe
ter-lhe causado esse problema, concordo que devemos resolver o mais
rápido que pudermos.” Jonas acrescentou: “Você não causou
problema só a mim, esqueceu-se de Ester?” Amanda disse: “Não,
não esqueci.”
Os
dois pediram sucos e pratos simples, com pouca comida, porque o
assunto era indigesto.
Demoraram
menos de uma hora no restaurante. Combinaram que o advogado seria o
sugerido por Jonas o qual ficou de fazer novo contato e marcar
reunião. Despediram-se sem pormenores, como se estivessem tratando
de negócios, e não deixava, até certo ponto, de ser.
Victor
e Ester começaram a tratar da separação dias depois. Ester estava
relutante, ainda não se recobrara da frustração, como ela dizia:
”de ter sido apunhalada pelas costas”. Victor ligou algumas vezes
pra ela e ela não atendera; no dia que atendeu disse que não podia
marcar encontro, que tinha compromisso.
Ester
conversava com seus pais e eles diziam que ela deveria parar de
investir em um casamento que acabara, que só ela não se
conscientizara do fato.
Victor
e Ester, diferentemente de Jonas e Amanda, já tinham advogado que
trabalhava para eles em pequenas ações e também para as famílias
deles.
IV
Em torno de três meses, Victor e Amanda já moravam juntos em um apartamento alugado e, após uma das reuniões com o advogado, Amanda ligou para
sua mãe e informou que não estava se sentindo bem, tinha muita
ânsia de vômito. A princípio ela pensara que o mal estar fora
devido ao estresse que estava enfrentando. A mãe dela a aconselhou
marcar consulta urgente com um médico. Ela passou em uma farmácia e
comprou testes para gravidez. Fez o teste em casa e deu positivo. Ela
pensou pra si: “estou fodida.” “Como pode acontecer uma coisa
dessas, logo agora”; imediatamente se questionou: “de quem é o
filho?” “De Jonas ou de Victor?”
Depois
da decisão de se separarem, daquela forma estranha, ela teve
relações íntimas com Victor, mesmo antes de morar juntos, poucas vezes, mas teve; então havia
a chance do filho ser dele. Mas só teria certeza pelo exame de DNA.
Certamente Jonas nunca aceitaria qualquer resultado que não fosse de
um exame de DNA. A confusão, como uma bomba, estava armada, pronta
para explodir. A única forma de ter certeza da gravidez seria depois
do exame de laboratório. Também em um futuro ultrassom devesse
dizer quanto tempo tinha o feto, para conferir se o filho era de
Jonas ou de Victor. Mesmo assim, como São Tomé, Jonas iria exigir o
exame de DNA.
Amanda
foi a ginecologista, sua médica. A doutora, após algumas perguntas
e exame no consultório, solicitou exame de laboratório. A médica
disse a Amanda que tudo indicava que ela estava grávida, o exame
serviria tão-somente como uma prova oficial, para documentar a gravidez.
Amanda começou a chorar copiosamente e a médica ficou sem entender,
porque sendo que a maioria das mulheres ficam muito felizes quando recebem a
notícia de estarem grávidas. Amanda explicou rapidamente para
médica a razão de seu comportamento.
V
Amanda
não conseguia se concentrar em nada, não trabalhava direito, não
lia, não via TV, enquanto não sabia o resultado do exame. No dia
que o resultado saiu ela passou no laboratório e foi diretamente
para o consultório da médica; não estava sabendo do resultado que
estava lacrado no envelope, só havia uma fitinha adesiva, que
prendia a aba ao corpo do envelope, bem fácil de abrir, mas ela não
tentou, não achava correto, embora, no banco de trás do táxi
pensara várias vezes em abrir; pensou também que alguns dados
técnicos só sua médica iria entender. Então este era um bom
motivo para não mexer.
Ela
chegou ao consultório às 16:30, havia muitas mulheres para serem
atendidas e a recepcionista lhe informou que havia cinco pacientes na
sua frente. Não adiantava pegar aquelas revistas desatualizadas, que
sempre existem em consultórios, mesmo porque não iria se concentrar
na leitura; teve que acessar as redes sociais pelo celular. Nesse ínterim sua mãe ligou perguntando se estava tudo bem e se já tinha
o resultado do exame. Ele respondeu que tinha o resultado mas não
sabia qual era, pois ainda estava aguardando a médica lhe atender.
Era
quase 18:00 quando a recepcionista pediu para a Amanda entrar. Ela
entrou, com o coração quase na boca, antes de sentar-se entregou o
envelope à sua médica. A médica disse: “por favor Amanda,
sente-se”. A médica abriu o envelope, retirou o relatório,
encostou as costas no espaldar acolchoado de sua cadeira, como se
precisasse de um pouco mais de conforto, devido a muitas horas
sentada ali, e disse: “parabéns, você está grávida!”
Amanda
disse, não conseguindo conter o choro: “ obrigado doutora, eu
tinha certeza, pelo que eu sinto, pelo exame da farmácia, por minha
situação, por tudo.” A médica disse: “Amanda, você é jovem
tem como cuidar de seu filho, tem sua mãe para ajudar.” E para
fazê-la relaxar, a médica acrescentou: “você também tem sua
médica para lhe acompanhar, para tratar de você!” Amanda riu,
concordou, agradeceu e disse: “Depois eu ligo para saber da próxima
consulta”. Despediu-se e saiu.
Ainda
no elevador, ligou para o Victor, em seguida para sua mãe.
VI
VI
Quando
Jonas ficou sabendo da gravidez de Amanda, disse que queria um exame
de DNA, já que tinha dúvida da paternidade. Era previsível essa
reação de Jonas, Amanda o conhecia muito bem. Combinaram que o
exame seria feito com uma amostra da placenta, depois de conversarem
com um médico.
Houve todo acompanhamento pre-natal e pelo exame de ultrassom, verificou-se que era um menino.
Depois do parto foi colhido material para o exame de DNA. O
exame de DNA foi realizado, e o relatório informara que o filho era de
Jonas. Esta notícia causou muito desconforto para as duas famílias,
e, principalmente para o Victor; também para Amanda, mas ela era a
mãe. O desconforto não era em relação a criança, mas devido a situação que vinham enfrentando desde o início da separação.
Aí começaria um novo processo judicial, cumulando em paralelo
com o final do processo de divórcio. O nome da criança teria o
sobrenome de Jonas e o juiz autorizaria o registro em cartório com o
nome dos pais: Jonas e Amanda. E assim cumpriu-se.
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