Amenidades

Amenidades
Decidi ir na padaria comprar um frango assado, porém eu chegara um pouco cedo, era um Domingo, não um domingo como qualquer outro, de alguns anos atrás, porque havia a pandemia. As carnes, os frangos ainda ardiam nos fornos então eu tive que esperar. No passado eu costumava beber cerveja enquanto aguardava; na realidade, de propósito, até chegava mais cedo para beber uma Heiniken, que o atendente chamava de “Raiquinen”. No balcão haviam duas pessoas bebendo, aparentemente amigas de longa data, pela confiança com que falavam de assuntos íntimos. O suor da cerveja escorria devagar pelas tulipas geladas, e em copos americanos uma dose de “Esteinhaeger” para cada um. Conversavam sobre relacionamentos, mais precisamente sobre o casamento. Um deles, o mais exaltado e inconformado, dizia que o casamento era uma instituição falida, o outro concordava balançando a cabeça, com um sorriso controlado no canto da boca. Eu estava em pé apoiado em um freezer, no entanto prestava, disfarçadamente, atenção a conversa. Um deles, o mais exaltado, o que dissera que o casamento era uma instituição falida, acrescentou que no contrato de casamento dele e da esposa, que no início da relação havia um equilíbrio entre direitos e obrigações, agora, tacitamente, ele só tinha obrigações; a esposa tomou para si todos os direitos. O outro, mais calado, falava depois de pensar muito, depois de muito ponderar. Disse que era uma situação que passava-se a todos os casais, depois de algum tempo, “veja que nós já estamos beirando os setenta”. O exaltado disse que fora enganado e que em caso de separação, jamais se casaria outra vez. O calmo disse que nessa idade, separar-se seria um suicídio. O exaltado disse que elas sabem disso e se aproveitam da situação. O calmo também passava por problemas semelhantes, também sofria com o esfriamento da relação, no entanto, pensava que não havia muito o que fazer.
Instantes depois as carnes já estavam no ponto e eu me aprontava para escolher a que me convinha e fazer o pagamento da compra.
Entrou uma senhora, alta, bonita, de lenço colorido prendendo os cabelos loiros e de máscara. Fora direto ao balcão porque sabia que o marido estava lá; era a mulher do exaltado. Este ao vê-la levantou-se, demonstrando alegria, a abraçou. Ela cumprimentou o amigo do marido à distância e perguntou curiosa o que tanto conversavam, aí eles responderam quase ao mesmo tempo, como se tivessem passado a fala:
“amenidades”!

 

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