Custódio

Custódio

Custódio estava sentado numa espreguiçadeira em seu quintal, tomando banho de sol matinal, costume e recomendações médicas; até levava sua caneca com café, para ir bebendo aos poucos; depois do café sentia vontade de fumar, vício que deixara há muitos anos, porém devido ao tempo de fumante, aquele hábito nunca era esquecido; lembrou-se do finado Mario Covas que após deixar de fumar ficava acerca de quem estivesse fumando, só para respirar um pouco a fumaça do tabaco; confessara isto em uma entrevista.

Custódio já passara dos setenta anos meia década, pensava como a maioria dos homens idosos, com a injustiça da natureza que é tão perfeita e que para tudo tem uma razão de ser, coisas que ele cria serem divinas. O problema é o afastamento gradual e crescente do casal que se dá nessa idade, causando tristezas, insônias, pela falta que o prazer sexual traz. Ele teve a ideia de conversar com a velhice, não naquele instante que estava sentado confortavelmente em sua cadeira, mas marcar um encontro em um bar, porque nos bares os homens conversam sobre tudo e, após alguns goles, com mais desembaraço.

Pois bem ele apenas perguntou naquele momento se era possível ou se a velhice teria tempo para agendar tal encontro. Custódio preferia que tal compromisso fosse em um sábado de manhã, lá pelas dez horas, em algum bar ali no Largo do Arouche, de mesas na calçada, local que frequentara muito tempo quando solteiro.

A velhice disse que tudo bem. E foram no sábado seguinte, dia de sol no frescor do outono. Não se falava mais em pandemia, tudo ficara para trás havia muito tempo, já não havia mais máscaras, afastamentos, lockdows. Só as lembranças, como a fumaça dos vulcões.

Sentaram-se à mesa de madeira quadrada, com duas cadeiras também de madeira, móveis que percebia-se muito usados.

Custódio inquiriu: em primeiro lugar, devo dirigir-me com o tratamento de senhor ou de senhora? A velhice respondeu: velhice é um substantivo feminino, tanto é que fala-se a velhice, não o velhice.

Custódio disse: obrigado, a senhora tem razão. Mas aí surgiu outro problema: como confessar os problemas de homens velhos, com uma mulher que não seja a sua? A não ser que fosse uma analista, uma médica, uma psicóloga; de qualquer forma, mesmo no caso desses profissionais Custódio prefere tratar com homens, ficaria menos envergonhado.

A velhice disse: posso saber o que está acontecendo com o senhor? Custódio respondeu: pensei que a senhora sabia, por ser um espectro, de matéria incorpórea, que aparece e some daqui como uma fumacinha dissipada pelo vento! Como políticos que aparecem somente na época de eleições!

A velhice disse: o senhor está fugindo do assunto, não tenho tempo para ouvir esses devaneios.

Depois de um tempo pensando o Custódio passou a mão no rosto de barba de fios brancos por fazer e disse: eu sinto uma imensa falta de sexo, senhora velhice, não só de sexo porque tenho minhas limitações, mas de abraços, de beijos, de dormir e acordar com uma mulher na cama, de vê-la nua, de sentir o cheiro dela nos lençóis.

De tanto tempo sem ver uma mulher nua, comecei a fazer buscas de fotos e vídeos de mulheres na internet. Tudo isto já me aborreceu, não faz mais sentido, perdi o entusiasmo, são artificiais demais, são frias demais, não me causam mais tanto prazer. Só quando estou desesperado acesso àquelas páginas, tão viciantes quanto o vício de fumar, talvez até para não me esquecer da forma das curvas, de tudo que a mulher tem de mais bonito.

A velhice disse: o que você quer que eu faça? Custódio pensou e respondeu: “aparecer” para ela e relatar o que acabei de lhe dizer.

A velhice disse: eu não tenho como aparecer para alguém como uma alma penada. O que está acontecendo aqui é que você está imaginando tudo isso, você está falando sozinho, ainda bem que não está falando alto; aliás, para dizer a verdade, você está só pensando, delirando.

Custódio olhou para a cadeira que supostamente a velhice estivesse sentada e nada viu. O que viu em volta foi que o Largo do Arouche não tinha mais aquele encantamento de antes, não tinha mais o aspecto de locais públicos europeus que tivera antes. Estava tomado por moradores de rua e de viciados em drogas.

Custódio acordou de súbito, depois de um cochilo em sua cadeira no quintal.

 

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