A Casa de Taipa


A Casa de Taipa
Certa vez "AG" foi, a pedido de seu pai, a um sítio nos lados de Timbauba onde morava um casal em uma casa muito simples, uma casa de taipa. Era um casal jovem, sem filhos ainda. O marido, "J", era alto e magro, moreno, usava um bigode fininho, como se fosse um risco de carvão acima do lábio; não havia voltado da roça, conforme previsto, de tal forma que "AG" ficou a esperá-lo. Enquanto isto "AG" foi ao juazeiro frondoso, que espalhava sombra em frente da casa, embaixo do qual "AG" deixara o cavalo; tirou-lhe a sela, deu-lhe água e uma boa porção de milho trazida no alforje.
A dona da casa, "S", que era uma moça de mais ou menos vinte anos, bonita, morena de cabelos pretos bem penteados e olhos da mesma cor, rosto redondo, sorriso largo que demorava a se desfazer. Vestia um vestido simples de uma chita amarela com flores pretas, cujo tecido ajudava a desenhar os contornos do corpo; também usava chinelos de borracha, com solados já bem gastos. Mantinha-se ocupada fazendo serviços na cozinha, areando as panelas de alumínio; de vez em quando "AG" a via através dos vãos, com os batentes mas sem as portas que dividiam o primeiro e segundo ambientes antes da cozinha; ele olhava parte de seu corpo jovem, denso e generoso, enquanto ela lavava as panelas e as colocava na bateria ao seu lado; na prática ele estava fazendo um pouco de “voyeurismo”, sem saber àquela altura de sua pouca experiência, a existência desta palavra. "AG" estava na sala, sentado em uma cadeira de madeira, com assento de couro de caprino. A casa tinha três cômodos: uma sala, um quarto, uma cozinha; o banheiro devia estar fora da casa; mais tarde confirmaria a localização dessa dependência, quando pedira a "S" permissão para usá-lo. Embora fosse uma casa de taipa os cômodos internos eram bem rebocados, deixado o barro lisinho e pintado com cal branca; o chão de terra batida era bem nivelado. Era uma construção nova, dava impressão a "AG" que fora construída pouco tempo antes de se casarem.
"S" saiu da cozinha e disse que ia fazer almoço para "AG". Ele disse que não era necessário pois o marido dela não tardaria a chegar e assim que ele lhe atendesse iria embora. Ela disse: "Não tenho certeza, às vezes "J" chega no final da tarde, é melhor você comer." "AG" já estava com fome porque era em torno de onze e meia, pois tomara café bem cedo. "S" fez um arroz branco temperado com alho e dois ovos fritos em banha de porco, o cheiro da fritura se espalhou pela casa e deu-lhe mais fome. Ela pôs o prato fundo de porcelana sobre a mesa, uma colher enfiada no arroz quente, ainda fumegando. Sobre a mesa já havia uma toalha azul quadriculada muito limpa. Aliás, a casa estava sempre muito limpa e bem arrumada, como as casinhas de bonecas, de quando "S" brincava com as amigas. "AG" lembrou-se de sua mãe, que dizia: “não é porque você é pobre que tem que ser sujo e desorganizado”. A comida estava muito bem feita e saborosa. Enquanto ele comia pensava se ela teria mais para ela e o marido, pois eram muito pobres. Ficou com um pouco de dor de consciência, não ter recusado a gentileza com mais ênfase.
O marido dela chegou em torno de duas horas da tarde, "AG" já estava impaciente. "J" entrou, o cumprimentou, pôs o chapéu de palha de abas largas sobre um banco; não atendeu "AG" de imediato, para ouvir o que ele tinha que tratar; primeiro foi ver com "S" o que havia para comer. Aparentemente ela já cozinhara arroz suficiente para três, faltando apenas estrelar mais ovos. Então "AG" não tinha mais porquê se preocupar, pois havia comida suficiente. Quando "J" voltou da cozinha já veio com o prato feito, de calculo, na mão, sentou-se à mesa e começou a comer colheres cheias de arroz junto com fatias dos ovos, enquanto conversava de boca cheia. "J" disse que só poderia trabalhar para o pai de "AG" na semana seguinte, dado que iniciara um serviço que previa concluir até o fim da semana; Já passava mais da metade da segunda feira. Depois daquela conversa, "AG" despediu-se deles, desamarrou o cavalo selou-o, montou-o e tomou o caminho de casa.
O cavalo trotava pelo caminho arenoso e “AG” pensando em “S”; não conseguia tirá-la da cabeça. O pensamento sumia um pouco mas logo voltava, e parecia que vinha com mais intensidade. Ele sabia que era um problema que ele não conseguiria resolver. Era um amor quase impossível, com menos fervor e tempo do que de Werther(*) por Charlotte(*). “AG”, com dezoito anos; ela, casada e podia nem mesmo está pensando nele. Fora a primeira vez que sentira um desejo incontrolável, um sentimento tão profundo e até doído. Nas semanas seguintes lembrara-se de “S” algumas vezes mas quando pensava demorava-se, imaginando-a de costas lavando a louça, entretendo - o enquanto “J” não chegava. Certo dia ele a reviu com “J” entrando na igreja católica, ela vestia um vestido simples, contudo estava muito bonita. Era o vestido de casamento remodelado e costurado por sua mãe. Parecia que ia voltar tudo, todos pensamentos. “AG” entrou na igreja, coisa que raramente fazia. Sentou-se em um banco de madeira ao lado do casal. “J” olhou-o e cumprimentou-o com um sorriso; ela, cumprimentou-o com um olhar dissimulado, mostrando delicadeza, no entanto, pouca emoção.
Dias depois “AG” mudou-se para outra cidade, e como o tempo demora mas quase sempre resolve tudo, ele não a esqueceu, todavia tirou da cabeça a fantasia de amá-la um dia; porém não teve o destino do jovem Werther.
(*) Personagens de "Os Sofrimentos do Jovem Werther", de J.W.Goethe

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