O ônibus

Há algumas informações gravadas no cérebro que são difíceis de saber-se se aconteceram ou se foram sonhos; ou ainda, como se diz em Inglês: “Wishful Thinking”; igualmente com alguns arquivos em computador que mantêm-se guardados para quem sabe um dia acessar-se; a diferença é que no computador pode-se deletá-las permanentemente quando desejar-se, enquanto que as do cérebro fica-se toda a vida lembrando, basta alguma palavra-chave e pronto.

A estória seguinte está latente há muito tempo, remete a minha infância:

O ônibus estacionou em frente a casa de meu avô paterno, no terreiro arenoso; tinha aquele tipo de carroceria antiga, de cantos arredondados e janelas de vidro pequenas, ovais; a boleia, o capô e o motor localizavam-se na parte dianteira. Era como se a carroceria tivesse sido montada em cima do chassi de um caminhão, mantendo a dianteira original. Havia uma escada na parte traseira, que subia em direção ao teto e dobrava para alcançar o bagageiro. O ajudante do motorista estava lá em cima, levantando a lona que cobria o maleiro, e sacudindo-a para tirar a poeira. Procurou a mala de um passageiro que descera naquela paragem e colocou a mala de um passageiro que iniciara viagem. Os outros passageiros não saíram de dentro do ônibus, olhavam curiosos para nós. Agora tudo estava pronto para continuar a viagem, faltando apenas o ajudante abrir a cancela em frente, em direção ao Sítio Belo Horizonte. Toda cancela ele descia e corria para abrir, em seguida amorcegava-se, no ônibus em marcha lenta. Estranho aquele ônibus transitar por aqueles lugares, posto que mau dava para passar pequenos veículos naquela estrada erodida pela água da chuva; e era raro trânsito de carros por ali. Limitava-se a algum Jeep e camionetas que vinham apanhar algum doente ou que transportavam eleitores de cabresto, em época de eleições.
Minha avó e alguns netos olhavam curiosos aquele veículo como se olhassem os aviões (os pássaros de prata) que passavam distantes, beirando o céu azul e de vez em quando se escondendo nas nuvens brancas como algodão . As crianças, inocentemente, pediam a Deus que o avião caísse, para conseguir objetos e dinheiro. Meu avô, que me dava bananas amadurecidas em um baú, sob a  temperatura de capuchos algodão, não estava fisicamente presente, pois falecera há alguns anos, de um problema na perna.
À distância via-se imponente a serra azul, a Serra de Santa Catarina, que escorrega preguiçosa em direção a Serra da Borborema. Eu dizia as pessoas que meu cavalo corria por cima dela, sobre as cinza das queimadas, a toda velocidade; e elas olhavam-me com olhares desconfiados, incrédulos.


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