A Esposa do Augusto


A Esposa do Augusto

Casualmente encontrei Augusto na Av. Paulista. É um amigo de longa data, ex-colega da faculdade. Daquele mesmo jeito, mais careca, bonachão, mais barrigudo. Ele estava companhado de sua esposa, Anita, o que fez-me apressar ao máximo a conversa; não é que a esposa dele seja má pessoa, é que ela não nos deixa conversar, gosta de contar suas histórias com o máximo de detalhes. Se estivéssemos sozinhos, o meu amigo e eu, com certeza iríamos tomar um café na Casa das Rosas e por os assuntos em dia. Tínhamos muito o que conversar, assuntos profissionais, relembrar da época da faculdade. “Sabe fulano? Morreu”; o outro, sicrano, “se separou da mulher e casou-se com outra quinze anos mais nova.” “Que sortudo! Mas consegue dar conta?”; “sabe beltrano, se aposentou, era vice-presidente de uma empresa de software, deu-se muito bem lá, merecidamente.” E do café passávamos para cerveja...e duas...não tínhamos que dirigir, e era um Sábado. E em sendo um Sábado, parafraseando nossa radialista Ana Maria Penteado, “tudo se sabe”.
Anita sempre tem um exemplo, uma história pra contar e não nos deixa concluir os assuntos, corta, educadamente, nossas conversas. Naqueles dez minutos que ficamos em pé, na larga calçada, ao lado da estação Trianon do metro, ela contou duas estórias. E eram histórias que tivemos que deixá-la narrar, porque tinham apelo, porque ela convencia com as palavras e com o próprio corpo; seria uma boa atriz. Sua mãe de oitenta anos, fora internada no hospital Santa Catarina, com problemas respiratórios, ali ao lado. Eu não podia deixar de ouvi-la, ela até chorou, aguçando nossas sensibilidades. Não controlava muito bem suas emoções, em suas histórias sempre havia espaço para o choro, assoar o nariz com aqueles sons de instrumentos de sopro mau afinados. Ela pediu para o Augusto comprar mais lenços de papel em uma farmácia ali perto porque o maço que ela tinha na bolsa acabara rapidamente. Enquanto Augusto não voltava ela entrara em sua segunda história, era sobre sua vizinha de apartamento, que fora encontrada morta. “Tão boa, bonita, viúva, morava sozinha, sua filha que mora na Europa, não chegaria a tempo para o velório. Mas sabe? É daquelas mortes que eu peço a Deus ter, dormindo, serenamente”. “E a confusão policial, jornalistas, coitadinha”, e mais choro. O que eu ia fazer com tudo aquilo? Tentava perguntar alguma coisa mas ela emendava com outras explicações. Eu já estava cansado: primeiro, pela posição; segundo, pelos assuntos. Eu disse: “Anita, vamos sair do meio da calçada, estamos atrapalhando o trânsito.” Ela segurou no meu braço, saímos, e ela continuou falando.
O Augusto voltou da farmácia com dois pacotinhos de lenço, naturalmente ele conhece muito bem sua esposa. Nos despedimos. “Marcamos um dia pelo WhatsApp?” “Sim, tudo bem!” Ela disse: “passe lá em casa, leve sua esposa”. Eu disse: “ok, vamos fazer isto.” Eles foram em direção a Praça Osvaldo Cruz, eu desci as escadarias do metrô.

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