Cobrador
Cobrador
Meu
pai não gostava de cobrar as contas dos fregueses para quem ele
vendia fiado, sobrava para nós filhos fazermos esse trabalho. E para
nós era uma atividade desagradável, mas não podíamos deixar de
fazer. Eu achava um absurdo chegarmos ao ponto de cobrar dívida de
um freguês, todo mês; raramente vinham saldar seus compromissos
espontaneamente.
Eu
ficava pensando em uma folhinha do calendário anual que mostrava um
comerciante que vendia fiado: magro, barbudo, triste, acompanhado de
um cachorro esquelético; por outro lado, outro comerciante que só
vendia à vista: gordo, de barba raspada, alegre e o cachorro gordo.
Havia alguns estabelecimentos comerciais que exibiam uma placa com a
frase: “fiado, só amanhã.” Mas era difícil um comerciante sem
“pendura”, sem caderneta.
Chegava
no cidadão e dizia: “meu pai pediu-me para receber a conta”, e
falava o valor, exibindo uma caderneta. Às vezes o freguês pedia-me
para passar outro dia, ou na semana seguinte. Quer dizer, ele já
havia comido a carne. Um deles só comprava filé mignon, que era o
pedaço mais caro; como é até hoje. Este sempre pagava, mas
dificilmente quitava a dívida diretamente com meu pai.
Quando
recebia o dinheiro, em notas de Cruzeiro, que era a moeda corrente,
entregava para meu pai e ele as colocava no bolso. Às vezes meu pai
dava-me uns trocados. Enfiava a mão no bolso, mexia os dedos dentro
do bolso, e tirava a mão sem nada; enfiava a mão outra vez,
demorava um pouco, eu só via o movimento dos dedos dele na perna da
calça; e puxava uma nota que era de baixo valor; não sei como ele
conseguia, era sempre uma nota de menor valor. Eu olhava para a nota
e pensava: meu Deus, tive um trabalho danado, senti-me humilhado,
servindo de cobrador, para, em troca, ter uma remuneração tão
insignificante, dava para beber uma “Grapette” ou uma “7 UP”
e, com muita sorte, receber de troco um chiclete “Adams”. Mas
era assim todo mês, como diz José Lins do Rego, “entrava por uma
perna de pinto e saía por uma perna de pato”, e havia mês que eu
não recebia nada; e era até melhor!
O
que acontecia é que não fazíamos só cobrança, também
trabalhávamos no açougue, na roça, cuidávamos do gado. Não
tínhamos sábado nem domingo. Eu com dez, doze anos e meu irmão
mais novo um ano. Também estudávamos. Não havia essa coisa de hoje
de menor idade; tínhamos que trabalhar muito, estudar e ponto.
O
resultado de tudo isto foi que nos acostumamos a trabalhar e a não
escolher o que fazer, todo trabalho era trabalho. Em decorrência,
valorizamos muito mais as coisas, nos tornamos independentes muito
cedo.
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